13.7.06

 

público, privado e queimado

por tadeu breda

Os ataques do PCC contra ônibus da cidade de São Paulo mostraram que essa história de parceria público-privada é uma grande balela. É impossível conciliar interesses tão distintos. Porque o que deveria atender a todos, não pode, ao mesmo tempo, satisfazer as vontades de uma pessoa ou um grupo de pessoas. Porque o que, em essência, deveria ser um serviço sem fins lucrativos, um direito de todos, não pode, ao mesmo tempo, gerar lucro para uma empresa.

Na capital, assim como na maioria das cidades do Estado, o transporte coletivo urbano é oferecido à população por meio de parceria entre empresas e o governo municipal. A prefeitura paga uma determinada quantia para as viações, que cobram as passagens, compram os veículos da frota, contratam motoristas e cobradores e mecânicos e botam os ônibus na rua para levar e trazer o povo. Assim costuma funcionar, apesar de todo trabalhador achar que o passe poderia ser mais barato e que os ônibus poderiam passar com mais freqüência.

Entre quarta e quinta-feira, criminosos queimaram mais de 50 ônibus. Como resposta, as empresas de ônibus retiraram a frota das ruas. Simples assim. Ontem pela manhã, o comandante da PM, Eliseu Eclair, informava pela tevê que apenas 15 por cento dos ônibus circulavam normalmente. Se o serviço já é ruim quando tudo opera na mais total normalidade, dá para imaginar o transtorno. E os prejuízos pelo dia não trabalhado.

Claro, só não vê (e não comenta) quem não quer. As empresas preferem muito, mas muito mais retirar seus ônibus de circulação a tomar prejuízos com veículos queimados. Não se sentiram seguras para operar, deixaram os carros na garagem. Quem é que está ligando para a população? A população, que precisa trabalhar, não tem carro nem condições de pegar táxi, mora longe do emprego e não é atendida pelo metrô ou pelo trem.

Transporte público é área estratégica, principalmente nas grandes cidades, onde não dá para andar a pé. É de interesse de todos que os ônibus circulem normalmente, na chuva ou no sol, com ou sem PCC. Fica a lição – mais uma – das conseqüências que a privatização irresponsável dos serviços públicos que se faz neste país. Ao menor sinal de prejuízo, a prestadora suspende seus serviços no ato. Para o beleléu vão os contratos com a prefeitura, o compromisso com a população.

Jogam a culpa para o PCC, porque hoje em dia todos os males da civilização paulista parecem ser originados dele, do crime, dos bandidos sem coração. Como se criminosos já nascessem criminosos, como se nada houvesse entre a organização da sociedade e o crime organizado. [r]

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em coma, uma nação deitada
eternamente em berço esplêndido

por renato brandão

8h35 na Vila Medeiros, pedaço periférico da Zona Norte da capital. Descia às pressas pela rua que me levaria ao principal ponto de ônibus das redondezas - onde passam as principais linhas do transporte público naqueles arredores -, que levam trabalhadores, estudantes e tudo o mais para o Tatuapé, Belém, Santana, Praça do Correio, Praça da Sé...

Parecia um dia típico. A padaria e o bar abertos, pessoas conversavam nas esquinas e tudo o mais... Durante o trajeto de casa até o pretendido ponto, cinco a dez minutos a pé, dividia meus pensamentos entre os recentes ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) e os da máquina de guerra de Israel sobre o Líbano.

Ao chegar ao ponto, na Avenida Castro Júnior (Vila Sabrina), uma imagem fora do comum: os pontos de ônibus estavam lotados. Lotados para aquela hora, afinal não estávamos mais em horário de pico - pelo menos no distrito. Dezenas de pessoas aguardavam pacientemente a vinda de ônibus, pertencentes à empresa Sambaiba - consórcio que opera na região 2 (metade da Zona Norte, abrangendo distritos como Imirim, Vila Nova Cachoeirinha, Mandaqui, Santana, Tucuruvi, Jaçanã, Vila Maria, Vila Medeiros) da cidade.

Não, eles não passavam. Claro, de cara associei que a Sambaíba proibira a saída dos veículos das garagens para as ruas. Desde ontem, quarta-feira, a SPTrans – empresa que gerencia o transporte de ônibus na cidade – contara mais de 40 ônibus queimados. Ontem mesmo queimaram um ônibus na Vila Madalena. Pensei que poderia ter sido o da linha 701-A (Parque Edu Chaves-Vila Madalena), o qual eu tomo para voltar para casa, quando volto da USP, principalmente. Mais tarde descobri que tratava-se de uma linha intermunicipal Vila Madalena-Vila Munhoz, da viação Urubupunga.

Quando cheguei ao ponto, perguntei a um sujeito há quanto tempo esperava por um ônibus:


- Desde às 6 horas
- Seis? Então, não está circulando ônibus? Só lotações [microônibus]?
- É.

Sim, apenas as lotações circulavam. Uma a uma, passavam direto e reto, sem parar naquele ponto, pois estavam, afinal, lotadas. Algumas se arriscavam a parar... Era chance de entrar. Assim, caminhei em direção a uma delas. Na porta de trás, um cobrador bradava "Lotação, metrô Tatuapé!!!". Antes que alguém tentasse a sorte de entrar no veículo, o cobrador fazia um alerta. Nisso, umas pessoas não entravam e voltavam para o ponto, decididas a esperar mais um pouco. O alerta?

- É dinheiro ou cartão [bilhete-único]?
- Cartão
- Hoje é só dinheiro!

E assim, eu e outros que se recusaram a pagar em dinheiro (e a mais, pois a tática dos donos de lotação era de cobrar mais dos passageiros, já que o transporte era escasso como água no deserto) ficaram (mais) privados de saírem do bairro.

Bem, não é uma novidade aquela cena. Em dias de greve nos transportes coletivos, lotações e veículos clandestinos costumam cobrar mais pelo transporte coletivo - um acréscimo de um a três reais no valor normal, em geral. Mas o que me deixou impressionado com a cobrança abusiva desta manhã foi a total falta de sensibilidade destas pessoas, no momento da maior onda de violência em São Paulo. Durante às greves também persevera uma certa insensibilidade, mas a situação atual é pior ainda, porque quem tem tamanha coragem de se aproveitar da situação crítica, diante da difusão do medo pelo PCC? Ganhar mais? Ter mais lucro com a tragédia socialna cidade? Talvez não haja razão para ficar chocado. Desde que o mundo é mundo, há os aproveitadores de plantão, abutres que aparecem nos mais impensados e inoportunos momentos. Mas cada dia, eu sou surpreendido ainda mais...

Entre várias questões, algumas que ficam são: por que acreditar que uma cidade, uma nação mudará se temos pessoas com uma mentalidade tão reduzida, mesquinha, sem a menor solidariedade com o próximo?; por que acreditar em mudanças, se ao redor encontramos esta gente que suporta calada os males, sem esboçar revolta ou indignação?

Eles (o PCC) não vão vencer. Esta é a afirmação mais pronunciada pelas principais autoridades do governo estadual nos meios de comunicação. Senão não é o discurso vazio adotado por toda a sociedade civil, boa parcela dela incorporou o "eles não vão vencer". Mas o questinamento a ser feito não é se o "PCC vai vencer", mas sim se o "Estado vai seguir perdendo". A organização criminosa não é capacitada para tal, mas faz uma grande contribuição para a deterioração do poder oficial.

Sem a menor condição de sair daquele lugar rumo ao longínquo centro, o jeito era ir embora para casa. Não iria trabalhar tampouco à faculdade, muito menos ainda ao cinema, mais tarde, como planejara. Não havia porquê ficar no ponto de ônibus, logo fiz o caminho de volta. Subi pela rua colorida pelos desenhos no velho asfalto, alusão à Copa do Mundo de 2006. Sobre eles estavam fitinhas verde-amarelas, amarradas aos postes de luz, que davam o acabamento à expressão do "sentimento nacional" de vários brasileiros da periferia pobre e urbana.

E la nave va... [r]

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