10.11.06

 

my city

por tadeu breda

quem estava achando um milagre a prefeitura dar tanta liberdade para camelôs batalharem uma grana no centro da cidade e na avenida paulista agora se depara com a realidade. foi só as eleições passarem.

na manhã desta quinta-feira, nove de novembro, a polícia militar reprimiu uma feira ambulante que acontece já há algum tempo no bairro do brás. precisando ganhar o pão, os camelôs resistiram. e, claro, tomaram bomba.

o próximo alvo serão os ambulantes da avenida paulista. depois da rampa anti-gente e da bolsa saia da minha city empreendidos pelo ex-prefeito futuro governador, agora a classe-mídia começa a fazer sua campanha pela limpeza da paulista.

hoje a maior rádio do brasil começou a fazer sua parte e veiculou uma vinheta sobre o assunto. no ar, a opinião do médico diretor da maternidade pro-matre. se tanto a rádio quanto o hospital não poderiam estar localizados em lugar mais nobre, o doutor não poupou palavras. disse que os camelôs trazem sujeira e criminalidade, que as autoridades abandonaram a paulista, que o "cartão postal" da cidade deve ser preservado. e é só o começo. logo a guarda civil metropolitana será chamada para retirar os vendedores informais da região. se não conseguir, vem o choque. daí é bomba.

ninguém faz aqui a defesa intransigente do comércio informal. só que quem prega a higienização do centro tem de ter em mente que o país não goza, infelizmente, de condições econômicas para dar emprego com carteira assinada para todos. as políticas adotadas pelo governo levaram a isso.

como as pessoas precisam se alimentar, o dinheiro deve ser cavado. quem opta pelo caminho do que convencionamos chamar de "honestidade" vai vender suas bugigangas na rua. e qual melhor lugar para armar sua barraquinha do que o coração financeiro do brasil? Onde mais circula muita gente e muita gente com grana?

o que a classe-mídia acredita ser um problema da avenida paulista na verdade é o problema de todo o país. os ambulantes ocupariam a avenida tiradentes ou a 23 de maio se o movimento fosse intenso e bem remunerado.

empurrar o desemprego para mais longe, para a periferia, não vai resolver o problema do povo. não vejo outra forma de classificar o coro do no ralé in our neighborhood. é, em inglês mesmo. porque a retórica do "cartão postal" da cidade é higienização social disfarçada de cidadania, de respeito às leis. conversa para inglês ver. [r]

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6.11.06

 

eu quero acreditar

por marcos angelim


Seis de novembro, segunda-feira brava, mesmo para um desempregado e aspirante a intelectual como eu. Um dia duro pela frente: ajudar o sogro a reparar a calçada de sua casa sob o sol escaldante do meio-dia. Não há pior tarefa para um cara habituado à caneta e ao teclado do que o trabalho braçal. Fazer e carregar massa, manusear a colher de pedreiro, juntar entulho...

Quanta habilidade se exige daqueles que não têm outra qualificação senão o raciocínio tosco e a força dos próprios braços para ganhar o pão! O que seria de você, caro leitor, se, de uma hora para outra, passasse a depender quase que somente da força física para viver? Mas não nos preocupemos com isso e voltemos ao relato, afinal não vai acontecer nem com você e nem comigo – privilegiados pelo acesso à educação, internet, ao trabalho intelectual, à renda...

O fato é que suei para consertar a calçada, e ao fim do trabalho – ainda sob um sol que deixou minha pele vermelha e ardendo – restava uma tarefa que me deixava assustado: carregar todo o entulho produzido para uma espécie de brejo no fim da rua – ordem incontestável do sogrão. Com certeza passava dos 31 graus.

É que nos bairros pobres, como o Itaim Paulista, a temperatura costuma ser muito mais alta do que nos Jardins, pois as árvores são muito poucas. A imagem do brejo, ao longe, se formava trêmula no fim da rua estorricada... "Ah, que vida sofrida a minha!”. Mas quando tudo parecia perdido, a sorte que freqüentemente agracia os bem-nascidos colocou um bom homem no meu caminho – um carroceiro. Talvez aqui caiba uma explicação.

Um carroceiro pode ser tanto um homem que guia um cavalo amarrado a uma carroça quanto um sujeito mais desgraçado que tem, ele próprio, de puxar a carroça atulhada. No Rio de Janeiro do início do século XX, os homens que puxavam carroças eram apelidados de “burros sem rabo”. No século XXI, essa alcunha se perdeu, mas a atividade certamente cresceu bastante.

O carroceiro que veio ao meu auxílio era dessa segunda categoria. Um homem pardo, de baixa estatura, mal vestido, com a barba por fazer, de boné e puxando um carro de madeira cheio de pesados sacos de lixo. Ora, esse sim era adequado para o trabalho. Era perfeito! Tinha a pele um tanto escura (minha cútis branca não foi feita pra isso... E os raios ultravioleta!? Não quero nem pensar!), estava uniformizado, tinha o veículo próprio e era profissional reconhecível em qualquer lugar da cidade...

Muito solícito, antes que o víssemos, ofereceu-se para ajudar, mas não deu o preço. Coitado, não deve ter MBA!... Rapidamente arranjou uma pá, um saco de estopa e começou a enchê-lo com nosso entulho. Ajudando-o a recolher as pedras, não pude deixar de notar uma sacolinha de plástico amarrada na parte dianteira da carroça. Era transparente e deixava ver a comida dentro dela: arroz branco, caroços de feijão e pedaços meio amarelados que supus serem batatas. O aspecto era um tanto repugnante; tudo amassado, misturado... A sacola parecia suar mais do que eu. “Deve ser para o cachorro; já passa da hora do almoço... Vai azedar...", disse comigo à tucana.

Entulho na carroça – é hora de pagar e "muito obrigado" (ninguém agradecia mais do que eu pela boa sorte). Meu colega de trabalho deu-me na mão umas moedas, às quais somei mais algumas, e entreguei ao pobre homem, que agradeceu e partiu para o brejo.

Quanto lhe demos? Não sei. Descobrir que não pagaria uma “quentinha” estragaria o meu dia. Prefiro acreditar que lhe garantimos o almoço e que a comida na sacola era para o cachorro. [r]

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