16.2.07

 

aquecimento global 3: estados unidos versus estados unidos...

por renato brandão

O presidente da hiperpotência insiste em afirmar que não há provas conclusivas de que o aquecimento global é causado pelo homem. Afirmação que vai de encontro com evidências da comunidade científica [1]. Gente do alto escalão do governo George Walker Bush vem ao público dizer que impor limites às emissões de gases do efeito estufa - ou seja, ao desenvolvimento baseado na queima de combustíveis fósseis- pode provocar desemprego...

Em seu discurso sobre o Estado da União, no final de janeiro, W. Bush afirmou [2] que os avanços tecnológicos salvarão o planeta da desgraça e ainda anunciou um aumento do uso de álcool combustível -algo que teria um impacto ínfimo sobre a redução das emissões de dióxido de carbono (CO2)...

Especialistas dizem que a substituição de 20% da gasolina por álcool até 2017 representaria uma diminuição de 1,5% no volume do poluente lançado dentro de dez anos e, portanto, não teria qualquer efeito na luta contra o aquecimento do planeta...

O problema é que o etanol estadunidense é à base de milho. Segundo um estudo das Universidades de Cornell (Nova York) e Berkeley (Califórnia) [3], converter plantas como milho (e também soja ou girassol) em combustível gasta mais energia do que o etanol ou o biodiesel fabricado!...

"Não há benefício energético em utilizar a biomassa das plantas para produzir combustíveis líquidos. Estas estratégias não são sustentáveis", criticou [4] David Pimentel, professor de ecologia e agricultura da Cornell e um dos autores do estudo. "Produzir etanol ou biodiesel a partir da biomassa das plantas é tomar o caminho errado, porque você utiliza mais energia para produzir estes combustíveis do que aquela que você obtém a partir da combustão destes produtos(...) a produção de etanol exige grandes inputs de energia fóssil e, portanto, ela está contribuindo para importações de petróleo e gás natural e para déficites estadunidenses", explicou...

De acordo com um artigo [5] de Claudinei Andreoli e Simone Pereira de Souza, pesquisadores da Embrapa, a conversão do milho em etanol gasta quatro vezes mais energia do que da cana-de-açúcar (adotada no Brasil). Além de ressalvar que os custos de produção do álcool de cana são mais baratos do que os de milho -que é subsidiado pelo governo norte-americano...

Ou seja, não haverá nenhuma redução em escala com o anuncio de George W. Bush faz uma troca de "seis por meia dúzia", para inglês ver...

Iniciativas de fato
Embora a atual administração da Casa Branca continue a ignorar o grave problema ambiental em curso na Terra, governos de Estados e cidades importantes estadunidenses têm assumido voluntariamente metas para reduzir de CO2...

A dianteira foi assumida pela administração do republicana Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia, que em setembro do ano passado assinou a Global Warming Solutions Act of 2006 [6], um lei para cortar 25% das emissões californianas até 2020 (se a Califórnia fosse um país, seria o 12º maior poluidor do mundo)...

Em janeiro deste ano, oito governos de Estados do Nordeste estadunidense anunciaram a Regional Greenhouse Gases Initiative (da tradução, Iniciativa Regional para Gases do Efeito Estufa) [7], na qual adotarão metas de redução de gases. Mais de 300 cidades norte-americanas (que representam mais de 55 milhões de habitantes - cerca de 18% da população dos Estados Unidos) adotarão suas próprias metas de redução de gases [8]. A iniciativa partiu primeiramente da administração democrata de Greg Nickels, prefeito de Seattle (capital do Estado de Washington, na costa oeste do país). Aos poucos, várias cidades foram aderindo, entre as quais Nova York, Los Angeles, Chicago, Philadelphia, San Francisco, Boston, Denver, Nova Orleans, Minneapolis, Austin, Portland, e Salt Lake City...

Em resumo, falta apenas vontade política pelos lados da Casa Branca. E também fica evidente a possibilidade dos Estados Unidos reduzirem em pelo menos metade o seu padrão de consumo - o equivalente ao europeu atual, que também é elevado...


Notas
[1] Ver notícia sobre aquecimento global. Folha Online, 17 de fevereiro de 2007.
[2] Ver matéria sobre anúncio da administração Bush sobre corte de consumo da gasolina. O Estado de S.Paulo, 23 de janeiro de 2007.
[3] Ver
resumo e [4] matéria sobre estudo do etanol produzido a partir do milho e um [5] artigo sobre o assunto. Cornell University e University of California-Berkeley, Julho de 2005, e Economia e Energia, Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007.
[6] Ver
informe oficial sobre a lei aprovada no Estado da Califórnia para redução de emissões de gases. Governo da Califórnia, 27 de setembro de 2006.
[7] Ver o portal da
Regional Greenhouse Gases Initiative, movimento de oito Estados norte-americanos (Maine, New Hampshire, Vermont, Connecticut, New York, New Jersey, Delaware, Massachusetts) que adotarão metas de redução de seus gases. RGGI, 17 de janeiro de 2007.
[8] Ver
lista de cidades estadunidenses que adotaram metas de redução de gases do efeito estufa. Governo de Seattle, 18 de janeiro de 2007.

Marcadores:



>>comentários:0

14.2.07

 

Uma nova postura para um novo tempo

por marcos angelim

Sob a repercussão do relatório do IPCC acerca das mudanças climáticas da Terra e suas devastadoras conseqüências, ganha ímpeto a reflexão sobre como devemos agir para evitar o cataclismo anunciado. Governantes chamam a atenção para algumas das medidas a serem tomadas a nível governamental e cada um de nós é levado a se questionar tanto sobre sua participação no processo de degradação quanto na tentativa de diminuir seus trágicos efeitos.

É inquestionável o papel do consumo no processo de destruição do planeta: quanto maior o consumo, maior a quantidade de recursos naturais a serem retirados e transformados, gerando, assim, devastação e todo tipo de poluição. Já é lugar-comum afirmar que, se todos os habitantes da Terra tivessem o mesmo padrão de consumo dos estadunidenses, europeus e japoneses, o planeta não suportaria. Mas esse limite, imposto pelo fato de que os recursos naturais são esgotáveis e que a Terra não é imune à ação antrópica, parece não ter sido ainda compreendido nem pelas autoridades formuladoras das políticas de desenvolvimento econômico, que insistem em modelos fadados a agravar o quadro de degradação da vida, nem pelos cidadãos, que relutam a mudar seus hábitos de consumo. No entanto, estudos e fórmulas de calcular o impacto que exercemos individualmente sobre o meio ambiente encontram-se com facilidade.

A produção de carne e de outros produtos de origem animal, por exemplo, até bem pouco tempo passou despercebida como uma das principais causas de devastação de florestas, poluição de recursos hídricos e de emissão dos gases estufa. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, a FAO (Food and Agriculture Organization), a produção de 1kg de carne bovina consome, em média, 15 mil litros d’água, enquanto a produção da mesma quantidade de cereais requer 3 mil litros. Outro relatório do mesmo organismo afirma que a pecuária produz gases mais nocivos para a atmosfera do que o sistema de transportes, apontado, nos meios de comunicação, como o grande problema.

Nosso país, em 2007, tornou-se o maior exportador de carnes do mundo, deixando para trás a Austrália, antiga ocupante do posto. Na Amazônia, a maior parte das queimadas visa a preparar a terra para a pastagem do gado e para o plantio de grãos, como a soja, que serão destinados ao fabrico de ração de animais de corte no Brasil e no exterior. Apesar disso, poucos estão dispostos a sequer diminuir a quantidade de produtos de origem animal que consomem diariamente. Mas os vegetarianos, que nunca foram levados a sério e sempre foram vistos como hipongas e espiritualistas, disfarçam agora o prazer de saber que uma das principais razões de ser vegetariano começa a ser amplamente reconhecida.

O vegetarianismo, contudo, funda na ética alicerce muito mais sólido e menos antropocêntrico do que a mera defesa do meio ambiente. É que, do ponto de vista ético, ele se justifica mais pelo dever moral de tratar com igualdade os interesses do outro – no caso, a alteridade constituída por outra espécie animal – do que pela necessidade de livrar as próximas gerações e a nós próprios dos problemas que a exploração desse outro acarreta.

A expansão da esfera de consideração moral vem ocorrendo há muito tempo. Primeiro reconheceu-se a humanidade dos escravos; depois fez-se a abolição do escravismo e ele é hoje condenado onde quer que resista; em seguida, gradualmente, os ex-escravos conquistaram o status de cidadãos iguais a todos os outros, adquirindo direitos políticos, civis e econômicos. Assim foi também com as mulheres, que, apesar do sexismo ainda existente, alcançaram grandes vitórias no campo dos direitos. Mas a última etapa do alargamento da esfera moral, isto é, a inclusão dos não-humanos, enfrenta oposição cerrada da imensa maioria dos incluídos, sejam negros, homossexuais, mulheres ou ambientalistas.

Os argumentos em defesa da exploração das demais espécies em benefício dos humanos variam. Nas culturas judaico-cristãs, costuma-se alegar que Deus nos deixou os animais para servirem de alimento; outros afirmam que tudo não passa de simples obediência à lei da natureza, da cadeia alimentar, e que precisamos de carne para sobreviver, o que se provou não ser verdadeiro há muito tempo; os mais cultos, julgando ter argumentos mais refinados, traçam a fronteira na racionalidade, afirmando que podemos usufruir dos não-humanos porque não possuem razão – um traço que supostamente nos distinguiria de todo o resto da criação.

Todos esses argumentos, porém, escondem uma visão antropocêntrica da vida e um tipo de preconceito ainda quase desconhecido: o especismo, que, em poucas palavras, consiste na convicção, ou ideologia, segundo a qual os interesses dos seres humanos vêm em primeiro lugar, têm mais importância do que quaisquer interesses dos não-humanos.

Assim, é mais importante agradar o nosso paladar num churrasco de fim-de-semana do que evitar o sofrimento daqueles que foram mortos para que comêssemos a sua carne regada à cerveja. O surpreendente é que não é a posse da razão ou da linguagem que, em última instância, nos distingue dos não-humanos. Se assim fosse, portadores de deficiência mental profunda estariam fora do grupo humano.

Como escreveu Locke, é o formato, o feitio do corpo que nos diferencia. Em suas palavras: “que quem quer que veja uma criatura com a sua própria forma e feitio, embora esta nunca tenha tido durante toda a sua vida mais razão do que um gato ou um papagaio, ainda lhe chamaria um Homem; ou quem quer que ouça um gato ou um papagaio falar, raciocinar e filosofar chamar-lhes-ia ou pensaria não serem mais do que um gato ou um papagaio e diria que aquele era um Homem estúpido e irracional e este um papagaio muito inteligente e racional”.

Locke conseguiu evidenciar a verdadeira razão do tratamento desigual que conferimos aos não-humanos. Em outras palavras, ele desvendou o critério arbitrário por trás do pensamento e das práticas especistas.

Filósofos como Jeremy Benthan e Peter Singer afirmam que é a sensiência (capacidade de sentir dor e prazer) o traço que deve ser levado em consideração na avaliação das nossas relações com os demais animais. Singer afirma que, se um ser sofre, não há justificativa moral para ignorar esse sofrimento.

Outro expoente do movimento de libertação animal, o filósofo estadunidense Tom Regan, afirma que os animais são sujeitos de uma vida e que possuem um valor em si e para si mesmos, o que tornaria injustificável transformá-los em meios para um fim humano.

O debate em torno dessa questão é atual e os pensadores ligados ao movimento de defesa dos não-humanos têm travado debates interessantes com pensadores como John Raws e tantos outros opositores da inclusão dos animais na esfera de consideração moral.

Essa discussão, porém, em virtude dos interesses econômicos envolvidos e da própria dificuldade que temos de encarar uma situação que nos recusamos a enxergar como problema relevante, uma vez que é favorável aos nossos interesses, ocorre à margem da grande mídia e é desconhecida da grande maioria dos cidadãos.

Talvez, com o ganho de espaço que as questões relativas ao meio ambiente terão daqui em diante nas diversas editorias dos jornais, nos programas de TV e até mesmo nas conversas entre amigos, o debate em torno do especismo e do antropocentrismo com que encaramos a vida se torne mais freqüente e resulte em alterações do nosso comportamento em relação ao meio ambiente e às demais espécies, que devem ser vistas como merecedoras da vida e do planeta, e não como hamburgueres e nuggets à nossa espera no fast-food da esquina.[r]

Leia também:
*
dúvido!
* aquecimento global 2: custos e sacrifícios pelo planeta...
* quanto tempo ainda iremos perder?

Marcadores:



>>comentários:4

11.2.07

 

duvido!

por tadeu breda

Na semana passada um relatório traçou o mapa da desgraça que o progresso humano provocou e vai continuar provocando, pelos próximos cem anos e mais, no planeta Terra. Não é demais lembrar que este é o único que temos para viver e – mais importante – que não somos seus únicos habitantes. Como o companheiro Brandão já fez algumas reflexões sobre o relatório do IPCC e suas diretrizes, quero falar de outras coisas.

Todos sabemos e não sabemos que destruímos dia após dia o meio ambiente. E sabemos e não sabemos os passos para amenizar a degradação. Por exemplo, praticando a simples e indolor coleta seletiva do lixo. É senso comum também que o consumismo destrói o planeta. Mas ninguém pára de comprar refrigerante em garrafa pet. O sonho de nove entre dez pessoas é ter um veículo particular. Os governos continuam mirando seu crescimento econômico no modelo que, além de pobreza, causa tempestades, degelo das calotas polares, inundações, etc. Todos queremos viver como nos Estados Unidos ignorando – propositalmente – que não há recursos naturais suficientes para isso.

É ilusão pensar que as pessoas – eu, você, o vizinho – vão deixar de lado as facilidades da vida contemporânea para preservar o próximo século de um planeta que não vão mais habitar. Talvez se a ciência descobrisse a fonte da vida eterna... Como não há chances de que isso aconteça no curto, médio ou longo prazo, precisamos de uma mudança radical, principalmente na economia. Porque capitalismo rima muito bem com progresso, prosperidade, aviões, arranha céus, indústrias produzindo a todo vapor, mas não com natureza. Preservar o planeta no capitalismo custa muito dinheiro, portanto, reduz o lucro, portanto, está fora de cogitação para os donos da bola.

Mas dinheiro é bom. Quem tem, adora, pode comprar um monte de coisa. Carne, por exemplo. Nem precisamos de tanto dinheiro para comprar carne. E ninguém vai parar de comer, seja filé minhon ou acem. Mas o rebanho bovino – comendo, arrotando e peidando sem parar – está entre os maiores emissores de gases estufa à atmosfera. Aquele bifinho vistoso entre o arroz e feijão do almoço esconde uma boa parcela de culpa pela tragédia do planeta. Agora, que atire a primeira pedra quem vai abdicar do churrasco no final de semana, ou do pf disputado que divide um dia cansativo de trabalho. Depois, sem essa de carro. Vamos todos de busão, até quem pode comprar um BMW. Até pegarmos um dia chuva de calor, como os do verão paulistano, com o bumba lotado. Todas as janelas fechadas, o tráfego parado, a temperatura nas alturas, todo mundo suando... Como é que você vai se apresentar pro seu chefe desse jeito? E o cliente, o que vai achar das marcas de suor no entorno do seu sovaco? Tá, você promete que vai colocar um bom catalisador no escapamento do seu veículo. Até chegar a hora de trocá-lo. Daí vai pesar no bolso, tem as despesas extras das crianças, aquela comprinha em que você gastou demais. Como é que fica?

Então. Vamos supor que você vai sacrificar suas preferências gastronômicas em nome do bem-estar da natureza. Beleza, resolve parar de comer carne. E o substituto mais eficiente de proteínas e a soja. Mas a soja é a maior responsável pela expansão descontrolada da fronteira agrícola no Mato Grosso e outros estados da Amazônia Legal. Pra plantar, tem que desmatar. E o desmatamento, você sabe muito bem, também está entre os maiores promotores do efeito estufa, é a maior contribuição que o Brasil dá para o aquecimento global. E o rei da soja, Blairo Maggi, é o governador matogrossense. Faz parte inclusive da base de sustentação do presidente Lula.

O resultado, já sabemos. Algumas empresas vão lançar cada vez mais campanhas publicitárias dizendo que defendem o meio ambiente, usam papel reciclado, contribuem com o Greenpeace. Às vezes gastam mais na propaganda das bem-feitorias do que nas bem-feitorias propriamente ditas. Ganham, assim, mais clientes, aqueles preocupados com a natureza, enquanto emprestam dinheiro para indústrias que inevitavelmente vão poluir a atmosfera. Proteção ambiental vai também virar plataforma de políticos que, nas próximas eleições, não pensarão duas vezes em despolitizar a questão para ganhar votos.

As emissões, claro, serão reduzidas. Mas só até onde o sistema aceitar, só até onde nossas mordomias permitirem – o que, tristemente, é insuficiente. A batata quente
e cada vez mais quente está com os incluídos, os que movimentam a máquina, os que gastam, que consomem, que poluem. Eles vão abdicar do carro, do churrasco, do ar-condicionado, da piscina? Eu vou? E você, vai? [r]

Leia também: quanto tempo ainda iremos perder?

Marcadores:



>>comentários:4

This page is powered by Blogger