21.9.06

 

a inquisição no século XXI

por hugo fanton

O recente debate acerca das declarações do Papa Bento XVI sobre o cristianismo e o islamismo lembra-me idéia de que pensamentos tidos como ultrapassados não só sobrevivem como podem ser dominantes numa sociedade, tendo nunca saído do meio acadêmico.

Antes de mais nada, o Papa errou ao não medir o impacto político de suas declarações. Não o fez por não ser político. E também por isso não retira suas palavras. Apesar de comandar uma religião criada a partir da vida de alguém que fora político, Jesus, Bento XVI desconsidera suas funções enquanto tal.

Entretanto, a reação do mundo cobrando desculpas de Joseph Ratzinger tem resquícios de um pensamento inquisidor da Idade Média, defendido outrora justamente pela Igreja Católica.

O discurso de Bento XVI feito numa universidade alemã foi direcionado a teólogos e trata justamente dodiálogo entre as religiões. O Papa expõe parte de sua filosofia sobre o tema, pensamento produzido após anos de estudo, publicado e discutido no meio acadêmico
teológico.

Quando o mundo islâmico exige a retirada de trecho da teoria filosófica de um teólogo sob a ameaça de morte e ataques a fiéis cristãos, pratica a mesma lógica da Igreja Católica medieval quando ameaçava punição severa a quem não retirasse de suas obras trechos considerados ofensivos.

Tal pensamento inquisidor é aplaudido pela maioria dos que maldizem o catolicismo de outrora. Muitos, ao invés de cobrarem dos muçulmanos leitura atenta do discurso de Ratzinger e chamá-los para o debate teológico, preferem comparar um tratado a uma charge preconceituosa.

Para entender a posição papal, basta a leitura do trecho final do discurso feito em Bonn:

"A declaração decisiva neste argumento contra a conversão violenta é isso: não agir de acordo com a razão é contra a natureza de Deus. O editor Theodore Khoury observa: para o imperador, enquanto um bizantino moldado pela filosofia grega, esta declaração é auto-evidente. Mas para o ensinamento muçulmano, Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está presa a nenhuma das nossas categorias, mesmo àquela da racionalidade."

E continua:

"Neste momento, até onde diz respeito à compreensão de Deus e portanto à prática concreta da religião, nós estamos diante de um dilema inevitável. A convicção de que agir desarrazoadamente contradiz a natureza de Deus é meramente uma idéia grega, ou isso é sempre e intrinsecamente verdade?"

Ratzinger expõe uma diferença entre as teologias muçulmana e católica. Sua atitude, ao contrário de uma ofensa pura e simples, é a chamada para o debate teológico, para o embate de pensamentos. O confronto entre as idéias islâmica e católica de Deus.

Ao contrário de João Paulo II, que era político, Ratzinger não enxerga o diálogo entre as religiões
como o esquecimento das diferenças. O antigo Papa, em nome de uma política internacional, esqueceu punições corriqueiras aplicadas contra cristãos no mundo islâmico, bem como recusou-se a debater as diferenças teológicas. Já Ratzinger, enquanto teólogo, acredita
que diálogo entre religiões significa embate de idéias em busca do entendimento do que é Deus. O alemão está mais interessado em tentar descobrir em conjunto o que é Deus. Esse discurso não deveria então ser rebatido com bombas, mas com palavras.

Dessa forma, o pensamento inquisidor deveria dar lugar ao democrático. As sociedades, além de questionar um Papa que não tenha cumprido seu papel político, devem também questionar aqueles que se recusam a usar o debate como instrumento mais valioso na busca de uma verdade. [r]

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