2.2.07

 

quanto tempo ainda iremos perder?...

por renato brandão; fotos Greenpeace Reino Unido

"O aquecimento do sistema do clima é inequívoco e agora se torna evidente, a partir de observações de acréscimos nas temperaturas globais médias do ar e do oceano, derretimento disseminado de neve e gelo e elevação do nível médio global do mar."
Quarto relatório do IPCC sobre mudanças climáticas

Quantos segundos o homem ainda perderá? Está é a pergunta que muitos se fazem diante das conclusões da primeira parte do resumo (chamado "Resumo para os Formuladores de Políticas") divulgado hoje, sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007, em Paris (França) que sintetiza o relatório do 4º Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [1] (IPCC, do inglês Intergovernmental Panel on Climate Change), da Organização das Nações Unidas (ONU)...

Foi o primeiro de um conjunto de quatro relatórios, elaborados por 2.500 cientistas, de 130 países, sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global do planeta Terra. Um segundo relatório será divulgado em abril e dirá o que deveremos fazer para nos adaptarmos às mudanças em curso e um terceiro trará sugestões para frearmos a velocidades destas mudanças. O grande mérito trazido por este informe é que, de agora em diante, a questão climática não será tratada como um assunto de âmbito de cientistas e ambientalistas, mas também ganhará espaço entre políticos e sociedades...

Dúvidas que os cientistas tinham no estudo anterior (de 2001) praticamente se dissiparam neste quarto painel do IPCC [2], que traça cenários desalentadores sobre o futuro da Terra, caso os tomadores de decisão (Estados-nação, políticos e corporações) e a sociedade não adotem medidas extremamente urgentes e adequadas para salvar o planeta....

A começar, uma das conclusões mais inquietantes do documento é de que não importa o que façamos daqui para frente, o planeta Terra sofrerá, por centenas de anos, os efeitos do modelo de desenvolvimento baseado na queima de combustíveis fósseis [petróleo, carvão mineral] e na emissão de gases do efeito estufa [como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4)], derivados destes combustíveis minerais. Inevitável! Não é mais possível reverter completamente o aumento do aquecimento global, nem que reduzamos as emissões de gases na baixa atmosfera, o aquecimento global e o aumento do nível dos oceanos vão perdurar por séculos...

Não há conhecimento ou tecnologia que possa frear estas mudanças. Mesmo com esforços gigantescos que deveremos fazer, a partir de já (!), estes servirão apenas para evitar uma catástrofe futura...

Para quem ama o planeta e luta por sua preservação, foi uma conclusão muito dura. Mas não é momento de desanimar. É preciso seguir na batalha contra os "inimigos da Terra"...

Adivinhe de quem é a culpa?
Chamado pelos cientistas como AR4 (da sigla em inglês), o relatório não deixa mais dúvidas sobre quem é o culpado pela aceleração do aquecimento global na Terra. Os especialistas do IPCC consideram como "muito provável" [têm mais de 90% de certeza] que as mudanças de climas são resultado da ação do homem. Impossível haver mais certeza do que isso...

Ficou claro que as atividades humanas baseadas na queima de derivados de combustíveis fósseis são as maiores responsáveis pelas mudanças climáticas em curso no planeta, pois agravam o efeito estufa. Devido a grande quantidade destes gases lançados na baixa atmosfera, o fenômeno do aquecimento global continuará por centenas de anos...

Em 1990, foram despejados na atmosfera 6,4 bilhões de toneladas CO2 por termelétricas, indústrias, agropecuária, desmatamentos e veículos. Já nos primeiros anos do novo século, o número cresceu para 7,2 bilhões. O AR4 assinala que onze dos últimos 12 anos foram os mais quentes desde que se mede a temperatura do planeta...

Quadro preocupante
Desde o período pré-industrial, a temperatura média do planeta já subiu 0,76ºC. Nos últimos 50 anos, aumentou entre 0,6ºC a 0,7ºC. Nos próximos 20 anos, será acrecido mais 0,4ºC. E até 2100, se forem grandes os esforços para redução de gases na atmosfera, a temperatura subirá pelo menos mais 1,8ºC. Caso contrário, a elevação será ainda maior, de até 4,6ºC. E em um cenário mais dramático, 6,4ºC a mais, caso a atmosfera continue a ser um dos depósitos de lixo da atividade humana (detalhe: desde a era do Gelo, a temperatura na Terra subiu 5ºC)...

Não só a temperatura média na atmosfera ficará quente, como também dos oceanos. Se no século passado, o nível do mar subiu 17 cm (principalmente após 1993), a elevação será de 18 a 59 cm até o final do atual. O relatório não descarta valores maiores para os próximos séculos, e os cientistas afirmaram ainda ser impossível apresentar uma estimativa melhor do aumento do nível do mar, pela falta de compreensão sobre as camadas de gelo que cobrem a Antártida e a Groenlândia. Mas se a camada de gelo da Groenlândia derreter completamente, o nível dos oceanos poderá subir mais 7 metros...

Não restam dúvidas de que os mais pobres pagarão mais caro na hora do clima vir cobrar a conta. Como algumas ilhas do planeta, o arquipélago de Kiribati [3] desaparecerá dos mapas. Seus cerca de 100 mil habitantes terão de procurar outro país para viver. Eles farão parte de uma nova categoria de refugiados no mundo, os "refugiados do clima". "A questão é: o que podemos fazer agora? Há pouquíssimo que podemos fazer para parar este processo", alertou Anote Tong, presidente do arquipélago, para a Agência Reuters...

Áreas costeiras e superfícies férteis também desaparecerão. A disponibilidade de água potável diminuirá consideravelmente nas regiões aonde os recursos hídricos já não são abundantes. A elevação das temperaturas médias no planeta tornará mais freqüentes e intensos ondas de calor, secas, tempestades e inundações. Por mais de um milênio. E haverá mais refugiados do clima migrando (se puderem) pelo planeta...

Doenças como malária, dengue e diarréia tendem a aumentar onde já existem, pois o aquecimento reduz mais as diferenças de temperatura entre inverno e verão, facilitando a reprodução de insetos vetores de doenças (e aves que terão de mudar suas rotas migratórias poderão espalhar mais doenças). Não é o fim do planeta, mas certamente será um mundo mais difícil para minha (e as próximas gerações) viver. Felizmente ou não, a espécie humana poderá se adaptar as novas circunstâncias, especialmente os mais favorecidos do sistema...

Mas outros ecossistemas da Terra não terão a mesma habilidade. Estima-se que até 50% da fauna e da flora terrestres serão extintas. O Ártico como o conhecemos está com suas décadas contadas. A área, que já perdeu nos últimos 40 anos mais de 40% de suas geleiras. E em um verão, todo o gelo da região ártica desaparecerá para sempre. É um desastre para quem admira a beleza e a diversidade do local, a qual pude ver em filmes e documentários como o canadense O Planeta Branco. O homem destruirá o habitat do urso polar -a neve. Não sobrará nenhum sequer. Nenhum...

Demora esperada
Não surpreende que se tenha levado tanto tempo para se fechar este consenso sobre as responsabilidades do homem nas mudanças do clima, afinal as pressões para que a verdade não fosse difundida eram fortes...

Só nesta semana, há casos emblemáticos. Em depoimento no senado dos Estados Unidos, durante esta semana, pesquisadores estadunidenses acusaram a administração George W. Bush de forçar metade dos pesquisadores federais do país a não usarem em seus estudos os termos "aquecimento global" e "mudanças climáticas"...

A Casa Branca também já foi acusada, inclusive pelo próprio ex-vice-presidente Al Gore, de manipular relatórios da agência de meio-ambiente do país...

E no dia em que o relatório foi divulgado, o jornal britânico The Guardian fez reportagem [4] que acusa o governo de W. Bush, por meio de uma empresa de lobby, de oferecer US$ 10 mil a cientistas e economistas para que criticassem em artigos o AR-4, enfatizando defeitos e o chamando de "superficial" e de "distorcer dados científicos"...

A empresa de looby é a conservadora American Enterprise Institute, financiada pela ExxonMobil -a maior empresa petrolífera do mundo e estreitamente ligada à administração Bush. E segundo a reportagem do Guardian, mais de 20 integrantes da AEI já trabalharam como consultores do governo estadunidense! e os lobbistas receberam mais de US$ 1,6 milhão da ExxonMobil...

A corporação -que aliás se manifestou [5] nesta sexta-feira a respeito do relatório da ONU-, no mesmo dia divulgou [6] seu o balanço no ano de 2006: US$ 39,5 bilhões de lucro! Trata-se do maior lucro da história do capitalismo! [7] Não deixando de mencionar que o recorde anterior pertencia a própria corporação (US$ 36,1 bilhões em 2005)...

A rival da Exxon, a Shell, também teve o maior lucro de sua história, com mais de US$ 25 bilhões. Com este montante, você acredita que será possível que os países cheguem a um consenso para as fundamentais reduções das emissões de poluentes?...

Questão moral
Muitíssimo mais que uma questão ambiental, econômica e política, salvar o planeta é uma questão ética: se nós conhecemos quais são as causas do aquecimento global, e se isso tem relação com as escolhas que nós fazemos no cotidiano, insistir no erro significa desprezar a vida, os ecossistemas e a própria civilização; persistir no erro significa ignorar a chance que temos de corrigir o rumo das alterações causadas pelo homem e seu modelo de desenvolvimento baseado na queima de combustíveis fósseis...

Os efeitos do aquecimento global vão durar por centenas de anos e os gigantescos esforços que devemos fazer a partir de já (!!!) serão apenas para evitar uma catástrofe...

Quantos segundos ainda perderemos?...[r]

Notas

[1] Ver o relatório completo em inglês no formato. IPCC, 2 de fevereiro de 2007.

[2] O texto integral do quarto relatório será divulgado por partes até novembro deste ano. A capital francesa recebeu durante esta semana um grupo de mais de 500 especialistas que produziriam o sumário executivo divulgado hoje (2 de fevereiro) em Paris. O relatório do 4º Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU é um dos trabalhos mais completos sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global já realizado. Foi produzido por um comitê de 2.500 cientistas e representantes de 130 países, ao longo de seis anos. O relatório deste ano não alterou significativamente as projeções do documento de 2001, mas os dados do quarto painel são mais detalhados e precisos do que o de seis anos. Além disso, o documento traz mais consensos dos cientistas a respeitos das mudanças climáticas e sobre quem o causou. E sua receptividade (e a preocupação internacional com as mudanças climáticas) é muito maior hoje do que nos anos anteriores. Criado pela ONU e a Organização Meteorológica Mundial em 1988, o comitê do IPCC divulga relatórios (divididos em fases) a cada cinco ou seis anos, que tem como objetivo alertar os países sobre as mudanças climáticas do planeta. Resta saber se este quarto informe dos especialistas estimulará governos, corporações e pessoas comuns a tomarem medidas para evitar que nosso futuro seja parece perigoso.
[3] A República de Kiribati é um arquipélago situada na zona central do Oceano Pacífico, a nordeste da Austrália, integrado por 33 atols. Wikipedia, 2 de fevereiro de 2007.
[4] Ver matéria do jornal britânico Guardian sobre a tentativa da Casa Branca de desqualificar o relatório do IPCC. The Guardian, 2 de fevereiro de 2007.
[5] Ver informe da Exxon sobre o relatório do IPCC. ExxonMobil, 2 de fevereiro de 2007.
[6] Ver “informe da ExxonMobil sobre seus lucros em 2006. ExxonMobil, 2 de fevereiro de 2007.
[7] Ver matérias sobre lucro da Exxon nos portais G1, UOL, de 1 de fevereiro de 2007, e Folha de S.Paulo, de 2 de fevereiro de 2007.





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