10.1.07

 

entrevista com o zeroquatro (1)

por daniela alarcon, maurício reimberg, rafael sampaio e raoni maddalena

Fred Zeroquatro, líder da banda Mundo Livre S/A, fala sobre o novo projeto do grupo, que ainda não tem data para ser lançado. O nome já está definido, assim como a imagem de capa. “A coletânea vai se chamar Combatsamba: Doze Anos Assaltando o Trem das Onze”, revela Zeroquatro.

O álbum Combatsamba será composto de canções como Meu Esquema, Super Homem Plus, Negócio do Brasil, Loirinha Americana e Samba Esquema Noise, sempre no estilo rítmico que marca muitas músicas da banda: o samba-canção. O novo projeto do Mundo Livre, entretanto, tem um problema maior a vencer: a resistência das gravadoras multinacionais.

O vocalista informa que a banda tem pensado em lançar uma coletânea há algum tempo. “Já conversamos com uma gravadora. Estamos esperando que o nosso selo, o Ôia Records, fique mais estruturado para ter uma distribuidora que banque o trabalho”, diz.

Nesta entrevista concedida aos membros do Reverso, Fred Zeroquatro, além de falar do novo trabalho a ser lançado em breve, faz um inventário do movimento mangue beat desde que foi lançado até os dias atuais e traça um balanço da nova cena musical pernambucana.

Reverso - Qual o novo projeto do Mundo Livre S/A?
Fred Zeroquatro - Estamos numa briga para lançar uma coletânea com fonogramas dos primeiros discos, que estão fora de catálogo. Músicas dos álbuns: Samba Esquema Noise, Carnaval na Obra, Guentando a Ôia, que não conseguimos recuperar. Os fonogramas ainda são das gravadoras multinacionais e das editoras que distribuíram na época. Porque quando você está fora das panelinhas das grandes gravadoras, eles dificultam mais para liberar os fonogramas.

A coletânea vai se chamar "Combatsamba: Doze Anos Assaltando o Trem das Onze". Temos o conceito de capa. Queremos faixas como Samba Esquema Noise, Free World, Ultrapassado, Negócio do Brasil, Super Homem Plus, Loirinha Americana. Queremos músicas que sejam sambas politizados.

Alguns sambas, também, do álbum Manuela Rosário e tem que entrar Soy Loco por Sol. Já conversamos com uma gravadora. Estamos esperando que o nosso selo, o Ôia Records, fique mais estruturado e que consigamos uma distribuidora que banque o trabalho.

Desde 2001, vemos que o caminho é ter completo controle sobre a nossa obra. Se o Mundo Livre for gravar um disco ao vivo ou um DVD, vai ter que ser com músicas desde o Manuela Rosário porque não temos controle dos fonogramas produzidos antes, estão todos sob controle das gravadoras.

RVS – O mangue beat morreu?
FZ - Críticos que eu admiro, do Rio de Janeiro e de São Paulo, chegaram a anunciar o fim do mangue beat, em frases como: “todo o potencial da cena musical de Recife morreu naquele acidente com Chico [Science]”.

Depois, nós do Mundo Livre soltamos um manifesto na internet chamado “Quanto vale uma vida?”, em que explicamos a precipitação desses críticos e colunistas, que mostra o quanto eles desconhecem o circuito musical complexo de Recife.

Eu comparo o que aconteceu [ao Chico Science] com o destino de Bob Marley e Peter Tosh na Jamaica. Da mesma forma, Science tornou-se uma espécie de ícone, de mártir. E toda aquela galera que acompanhou o início da cena musical de Recife sentiu-se cúmplice dele, em uma espécie de guerrilha, uma revolução. Algo no sentido mais cultural, cuja marca é a renovação.

RVS - Segundo o DJ Dolores, “o mangue beat morreu quando a imprensa foi atrás de novidades”. Você pensa dessa forma?
FZ - Esse tipo de polêmica com o DJ Dolores criou um clima de isolamento. Ele começou a perder diálogo com todo mundo em Pernambuco. O primeiro clipe do Mundo Livre S/A foi dirigido por ele. Somos amigos desde a época de punk rock. Mas o Dolores sempre foi de muitas polêmicas.

A mídia diz que a “nova geração” não liga para Pernambuco. Mas, desde o início do nosso grupo, não levantamos a “bandeira de Pernambuco”, nem tocamos tambor de maracatu. Na verdade, a gente tem um vínculo maior com o samba do que o maracatu.

RVS - Mas a cena musical pernambucana já foi apelidada pela mídia de pós-mangue...
FZ - É a necessidade da mídia em ter o novo. Tentaram vender a tese de que novas bandas não têm a influência do mangue beat. A gente achou isso esquisito. Só que, recentemente, passamos a encontrar mais os membros das bandas novas, porque começaram a tocar em festivais maiores. Para a minha surpresa, eles vem me falar de Chico Science.

O pessoal do Mombojó me disse: “A gente tirava som do Mundo Livre toda hora na garagem”. A imprensa tenta alimentar polêmica, porque cria assunto. Desde o início, o mangue beat é a diversidade, sempre foi. No primeiro disco da nossa banda havia hardcore.

O Mundo Livre S/A nunca precisou tocar tambor. Aliás, sofremos pressão da gravadora no nosso primeiro disco, dizendo: “Vocês tem um contrato na hora que quiserem, mas tem que botar um tambor, isso e aquilo”. E o grupo recusou, entendeu?

Há pouco tempo fizemos dez anos de manifesto, dez anos do primeiro disco. Pela primeira vez surge um movimento musical que não é um movimento. Um gênero musical que não é gênero. Um manifesto que não é manifesto. É um release. E ao mesmo tempo colocou uma cidade [Recife] no mapa da música pop.

RVS – Vocês sofreram algum tipo de cerceamento da imprensa por causa desta postura libertária que sempre assumiram?
FZ - Nós, do Mundo Livre S/A, somos boicotados pelos meios de comunicação de Recife, pelas rádios e até pela TV Universitária. A despeito disso, o público não pára de crescer e hoje os filhos da primeira geração [do mangue beat] continuam indo aos nossos shows.

É um pouco parecido com o que houve na Jamaica e com o que aconteceu em Salvador depois da Tropicália. Você acha que se Gilberto Gil houvesse sofrido uma morte trágica na década de 60, teria deixado de existir os Novos Baianos? Não, porque a Tropicália é uma coisa que mexeu com o inconsciente coletivo de toda uma geração.

RVS – O que há de novo na cena pernambucana?
FZ - O Mundo Livre S/A tem mais contato com as bandas que estão emergindo. Há uma banda cujo disco atual foi produzido pelo nosso baixista, o Areia, e que já está no segundo álbum. O nome da banda é Maciel Salu e o Terno no Terreiro, que é inacreditável. O ano passado eu subi no palco durante o show deles no Sesc Pompéia. É ótimo em termos de sonoridade e de show.

Da cena underground de Recife, tem o grupo Variante, que é uma coisa mais moderna, puxando pro dub, pro ska. O Coquetel Molotov é um coletivo de produtores, que tem programas de rádio, selo de álbuns, festivais, revistas. São jovens universitários que dominam totalmente a técnica para mobilizar o público, para realizar shows, captar recursos.

O Coquetel Molotov tem uma curadoria fantástica. A revista é linda, a melhor que eu já vi. Muitas bandas de Recife estão vinculadas a estes produtores. Tem o Rádio de Outono, tem o Superoutro, tem o grupo Volver. São muitas bandas na cena musical recifense. Tem uma, que eu gosto muito, chamada Azabumba, que logo vai chamar a atenção da mídia.

Há uma cena undergound na capital e no interior de Pernambuco, dividida em estilos, como hip-hop e o choro. Do
interior do estado, eu destacaria a banda Sangue de Barro. No caso do samba e do choro, da musica instrumental, eu destacaria a banda Choro Brasil, que lançou recentemente um disco com a cantora recifense Mônica Feijó, produzido também pelo nosso baixista.

Há circuitos fortes em Recife de acordo com o estilo. Há blues, jazz, samba, choro. Se eu nomear mais bandas, vou acabar sendo injusto com muita gente. Há uma segunda geração depois da nossa, muito boa, que continua com o mesmo estilo e não é “pós-mangue-beat”. São bandas como Eddie, Bonsucesso Samba Clube, o ex-vocalista do Jorge Cabeleira, chamada
Itacarina, que lançou disco agora... [r]

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7.1.07

 

barbaridade?

por tadeu breda

Um dos sobreviventes daquele ônibus da Itapemirim queimado no Rio de Janeiro disse, em entrevista à Globo, que os criminosos responsáveis pelo incêndio foram embora como se nada tivesse acontecido, frios, impassíveis. Não é demais lembrar que sete pessoas morreram carbonizadas no episódio.

Antes de engrossar o coro dos especialistas, governantes, autoridades e cidadãos comuns que pedem pulso firme e mão forte, acredito que mais urgente, eficiente e necessário é pensar um pouco a realidade das pessoas responsáveis por tal ato, brutal e desumano a nossos olhos. Sim, aos nossos olhos. Porque no deles, na cabeça dos facínoras (para usar a expressão do presidente Lula), certamente não existiu
brutalidade em atear fogo num ônibus de turismo e queimar sete pessoas inocentes até a morte. Ou existiu – e eles estão pouco se lixando pra isso. Talvez porque esses jovens nasceram e cresceram na periferia, talvez porque a realidade da periferia não seja, digamos, suave como a nossa.

Certamente esses jovens já se chocaram com a morte tanto quanto (ou mais do que) nós com esse último ataque do crime organizado. Nos chocamos porque é uma das primeiras vezes que vemos coisas do tipo – vimos também em São Paulo, nos idos de maio. Eles, eles não. Já se cansaram de perder amigos e conhecidos na guerra silenciosa que mata muita gente nos recantos mais afastados da periferia – pelas mãos da polícia, do tráfico ou de cidadãos comuns que estreiam no crime para vingar adultérios, brigas mal resolvidas, jogos de futebol, enfim, casos banais que poderiam ser solucionados de muitas outras formas se não houvesse uma arma de fogo na parada.

É de conhecimento público: as vítimas preferenciais de homicídios no país são jovens de 15 a 24 anos, negros, pobres, moradores da periferia. Desta forma, não podemos simplesmente esperar, do alto de nossa inclusão social, que os jovens absorvidos pelo tráfico tenham visões semelhantes de brutalidade. Mesmo porque o jovem da favela foi criado numa realidade brutal o tempo todo, quando levou a primeira geral violenta da PM, quando o pai foi despedido do subemprego, quando o primo bateu na mulher, quando o vizinho foi encontrado morto com 12 tiros na cabeça do lado da porta de casa, quando o irmão foi preso, enfim.

Portanto, é muito fácil sair por aí garganteando que queimar ônibus e carbonizar inocentes é uma barbaridade sem fazer essa diferenciação. É um crime hediondo, claro que é. Mas, para quem?

Antes de mudar a legislação, consolidar o Regime Disciplinar Diferenciado, pregar a pena de morte ou tipificar o crime de terrorismo no Código Penal, bem antes, talvez seja melhor começar a prestar mais atenção no outro Brasil, naquele que não aparece na televisão. Ou que só aparece quando acontecem essas... barbaridades[r]

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