28.4.06

 

o bêbado e a letargia do povo

por tadeu breda

Era sábado, sete horas da manhã. Não costumo estar de pé neste dia neste horário, mas desta vez entrava no metrô, com destino a um dos terminais rodoviários de São Paulo. Queria passar o fim de semana fora da cidade, de saco cheio que estava com suas contradições. Tinha um ônibus saindo pra mim dali meia hora. Estava atrasado.

Na plataforma, a sonolência parecia ser unânime. Todos com os olhos mais fechados que abertos, com a cabeça mais na cama do que no trabalho. Foi quando desceu pela escada rolante um cidadão batucando as placas de alumínio da estrutura, cantando palavras desconexas. Deitou-se no chão e ficou falando pro mundo até o trem chegar.

Não fiz a menor questão de aguçar os ouvidos pra escutá-lo. Aquele senhor de 40-50 anos estava nitidamente alcoolizado e, como é de praxe, logo pensei que não se prestaria a outra coisa que não encher a paciência dos outros. Era muito cedo pra agüentar com bom humor os efeitos da bebedeira alheia, resolvi procurar um vagão mais pra lá.

Meu problema estava aparentemente resolvido. Viagens tranqüilas são mais que perfeitas quando se está com sono. Foi que tive de mudar de linha, passar de um trem pra outro. Entro noutro vagão e percebo: com seus batuques – agora transmutados em pancadas – e frases agora perfeitamente inteligíveis, estava ele quase a meu lado.

O tiozão estava alcoolizado como qualquer tiozão alcoolizado. Os efeitos do álcool é que não eram, digamos, tradicionais. Não era um bêbado qualquer, com atitudes quaisquer. Ele não escolheria nenhum passageiro pra ficar atazanando, fazendo amizade. Era um bêbado diferente, politizado – um tiozão bêbado revolucionário.

– O povo tem que lutar, senão os estrangeiros vão tomar conta de tudo, vão dominar o país – gritava. A exaltação durou uns cinco minutos. – Há muito tempo o brasileiro perdeu a noção de pátria!

Pregação política? Às sete horas da manhã? Num sábado? Já estava pensando que ia ter de agüentar um bêbado se lamentando da vida, mas o cara estava mandando um discurso ali mesmo, sem se importar com nada, como se tivesse plena consciência de que sua contestação era necessária. Viva a revolução!

E falou um bocado: que não podíamos mais aceitar as coisas de cabeça baixa, que tínhamos de nos levantar contra as arbitrariedades do governo, das elites, das empresas estrangeiras, enfim. Depois começou a chorar. Feito criança. Dava pra ver que estava amargurado mesmo, triste até, deprimido com esse mundo cada vez mais estranho e confuso. E enquanto chorava, balbuciava a música mais famosa de Geraldo Vandré:

Caminhando e cantando e seguindo a canção,
Somos todos iguais, braços dados ou não...

Sentado, cantou só um pouquinho. Depois de um tempo, voltou a romper o silêncio. Percebeu um torcedor do Corinthians bem na sua frente, com jaqueta e gorro do time, e mandou:

– É isso aí, torce pro Corinthians e esquece da burguesia! Torce pro Corinthians e esquece de fazer faculdade! É isso aí. Timão, ê-ô! Timão, ê-ô!

Mas, não sei, acho que pouca gente, como eu, viu beleza no ato. Senão beleza, o quão interessante foi aquilo em dias como os de hoje, de marasmo coletivo. Fiquei pensando que política causa mesmo ojeriza ou desprezo ou risos na maioria da população. Uma galera de 20 e poucos anos, que parecia se conhecer, caía na gargalhada com as traquinagens do tiozão bêbado. E bastou ele sair do vagão para se ouvir um "Cachaça é dose..." É, é dose. Pena que não faz isso com todos os bêbados.

Atrasados pro trabalho, correndo pra não perder o ônibus, com sono demais pra prestar atenção nas coisas... cada um ali tinha uma justificativa na ponta da língua pra não dar bola pro tiozão ou ignorar o que ele falava. É triste, mas o povo parece estar sempre ocupado demais pra se preocupar com palavras e atitudes que dizem respeito ao seu próprio futuro. [r]

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comentários:
Para esse país melhorar, falta algum revolucinário que ponha todos os corruptos em um avião e o explodam... E tome conta do país mais corrupto, mais caro e que acumula mais impostos do mundo que infelizmente é o Brasil. O povo só se revoltara quando os malditos corruptos tomar-lhes as roupas, ai sim eles iram perceber que estão sendo injustiçados... Enquanto houver: cerveja, pinga, churrasco e futebol está tudo bem.
 
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