12.4.06

 

suzane, mais uma vítima

por tadeu breda

Bastou passar no Fantástico. Foi no último domingo que a voz aveludada de Cid Moreira narrou a entrevista da moça loira, ex-estudante de Direito, vestida como criança, que chorava um choro sem lágrimas e cujas palavras todas estavam combinadas com os advogados. Bastou ser exibido em rede nacional de televisão e Suzane von Richthofen foi presa, já na segunda-feira à noite. Datena acompanhou todo o processo ao vivo, no seu Brasil Urgente.

Todo mundo sabe do que se trata. Os advogados da jovem que assassinou os próprios pais queriam melhorar a imagem da moça perante a sociedade. Claro, o crime será julgado em júri popular daqui algumas semanas e, afinal, eles tinham de arrumar um jeito de abrandar o ódio e a sede de sangue que a opinião pública sente de sua cliente.

Neste caso, no entanto, nesta entrevista, Suzane foi vítima. Vítima não do namorado ou do cunhado, co-autores do assassinato, mas da mídia. A maioria das pessoas deve estar achando maravilhoso o que a Globo fez – ela pegou os advogados de Suzane e a própria Suzane no pulo, tentando passar todos para trás, os “cidadãos de bem”, a polícia, os promotores do caso, o juiz, a Justiça, o Brasil. Prestaram mais um grande serviço para a nação.

Balela. O que a Globo fez no domingo foi botar mais um ingrediente na sopa nojenta de moralismo em que o país, os políticos e principalmente os meios de comunicação estão mergulhando. Não é da competência da Globo julgar cidadãos, muito menos escrutinar a vida de pessoas não-públicas, como eu ou você, jogá-las na cadeia ou promover seu linchamento. Quem julga é o Poder Judiciário. Só ele tem a competência para incriminar e absolver cidadãos dos crimes dos quais são suspeitos.

Suzane não é suspeita de nada. É ré confessa. Disse com todas as letras ter participado do assassinato do pai e da mãe enquanto eles dormiam em sua mansão. Se foi covarde, sangue frio, desmiolada, amoral, não cabe a ninguém que não aos tribunais dizer. Cid Moreira nada tem a ver com isso, nenhum de nós tem nada a ver com isso. De quê importa saber que Suzane vive rodeada de periquitos, veste-se como criança, chora sem derramar lágrimas?

Advogados, todos eles orientam seus clientes senão para mentir, para se comportarem da maneira mais adequada no sentido de amenizar suas penas. Se é certo ou errado, importa que é um fato. E seria ótimo se a reportagem tivesse flagrado esse tipo de conversação entre advogado e cliente com uma câmera justa, sabidamente aberta, e não com esse jogo sujo de esconde-esconde que os repórteres da família Marinho vivem jogando em nome de “causas maiores”.

A Globo pôs uma pessoa na cadeia. Suzane devia estar na cadeia? A lei brasileira – e não a grana da moça – permitiu sua saída da prisão. Mas ao invés de a emissora fazer uma pressão legítima para uma mudança que evitasse esse tipo de brecha na lei, não, ela vai lá e faz justiça com as próprias câmeras. Se a lei não consegue colocar essa assassina atrás das grades, a gente põe.

Desempenha, dessa maneira, um papel que não lhe cabe e que jamais lhe deveria ser permitido desempenhar. Porque é sintomático e perigoso. O jornalismo é o terreno do interesse público. E o jeito como vive Suzane von Richthofen não diz respeito à sociedade. O que ela fez já foi exibido à exaustão. Ganhou os holofotes por ser inusitado e por ter acontecido numa família podre de rica. A mídia pode acompanhar os passos do julgamento, já que foi um “crime que horrorizou o Brasil”, e só. Não deve fazer o papel dos investigadores, do júri, do promotor, do juiz.

A OAB criticou os advogados da moça pelo comportamento, mas ninguém criticou os repórteres, editores e apresentadores do Fantástico responsáveis pela entrevista. Será que é tão difícil ver que existe um nítido abuso de poder midiático, um claro desvio de funções da emissora?

A Globo tem pessoal espalhado em cada rincão do país, e só ela tem condições de mostrar o Brasil de verdade aos brasileiros de verdade. Mas deixa de investigar mais a política e os políticos, de agir na construção de uma consciência efetiva do povo brasileiro, de levantar debates relevantes para o fim da pobreza, enfim, deixa de fazer um jornalismo comprometido com o interesse público para ficar alimentando um interesse mórbido do público que renuncia ao pensamento crítico para babar na frente da tevê, assistindo a tragédias particulares socialmente irrelevantes.

O jornalismo de um país reflete a sociedade deste país. Uma sociedade fútil, consumista, egoísta e voyeur só pode produzir e absorver um jornalismo que entretém ao invés de informar, que se volta para a vida privada, que elege bandidos e mocinhos e se baseia no sensacionalismo para ganhar ibope, anunciantes e dinheiro. Um desperdício.
[r]

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comentários:
oi! ce leu o que a veja publicou esta semana (a da capa do lula + 40, ridiiiicula) sobre o assunto?

bjo
re
 
Não vi o Fantástico, então fica difícil de comentar algumas coisa, mas dêem uma olhada aqui http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs/blogs.asp?ID={2FCB039C-DB36-463F-B12C-C84A8232511F}&id_blog=4 . Ótimo apanhado de opiniões e pontos sobre o 'Circo Richthofen'.

Falando nisso, acho ótimos esses blogs do Observatório da Imprensa, melhores do que o próprio Observatório.
 
não acho que o direito de aguardar o julgamento em liberdade seja uma "brecha na lei"...
 
Também não acho que o direito de aguardar o julgamento em liberdade seja uma brecha na lei - já que é um direito, oras, assegurado pela lei. Talvez eu tenha me expressado mal. Eu quis refletir o que é de senso comum entre as pessoas que vibraram com a reportagem do Fantástico: que a Suzane não deveria estar em liberdade.
Mas, porra, a lei brasileira a colocou na rua. O juiz que o fez, o fez pela lei. Eu não gosto de legalismos e não sei até que ponto colocar Suzane na rua é justo ou injusto - ou seja, uma ré confessa de assassinato de duas pessoas, com vários agravantes, aguardar julgamento em liberdade.
Se é justo, tudo bem, a lei é razoável. Se é injusto, existe, aí sim, uma brecha na lei que permite esse tipo de prática. É isso.
Mas a discussão que eu quis colocar se refere ao papel da Globo. Por que, ao invés de provocar um debate em torno da pertinência da lei, ela se investiu do moralismo que emana da opinião pública e fez justiça (a sua justiça) com as próprias câmeras? Isso é que tem de ser discutido e que não pode passar batido. A imprensa jamais pode ter esse poder.
 
"Todo mundo sabe do que se trata?" Todo mundo???

What a journalism, ah!?
 
Achei condenável a atitude da globo de mostrar uma conversa confidencial entre Suzane e o advogado. Mas acho a descrição de detalhes observados pela repórter importantes. Acho sim que interessava dizer que o choro não tinha lágrima e que ela agia como um bebê o tempo todo (apesar que as imagens dispensavam explicações).
Acho que assim como os advogados tentaram usar a reportagem para aliviar a imagem da sua cliente, a globo tinha o direito (ou até o dever) de mostrar quais as reais intenções dos advogados. Mas não precisava, para isso, mostrar uma conversa protegido por lei.
E não acho tb que a globo que colocou ela na cadeia. Acho ingênua essa conclusão. Todos sabiam que o promotor estava louco para colocá-la de volta na cadeia e usou algo que ela falou na entrevista para fazer isso. Os advogados tinham plena consciência que isso poderia acontecer. Resolveram arriscar mesmo assim. E perderam.
 
anônimo, sim, eu escrevi "Todo mundo sabe do que se trata", mas não deixei por isso mesmo. Foi um recurso de estilo, só isso, porque aquilo a que eu estava me referindo vem escrito logo depois: "Os advogados da jovem que assassinou os próprios pais queriam melhorar a imagem da moça perante a sociedade. Claro, o crime será julgado em júri popular daqui algumas semanas e, afinal, eles tinham de arrumar um jeito de abrandar o ódio e a sede de sangue que a opinião pública sente de sua cliente."

Débora, eu não acho demérito da reportagem descrever o choro sem lágrimas ou a vestimenta da Suzane. A menina foi fazer seu trabalho e o fez de forma completa. O problema central é que a Globo não deveria nem estar ali, não deveria fazer uma matéria daquela sobre a Suzane. Porque a vida dela, agora, já não é pública - talvez nunca tenha sido. O que ela faz ou deixa de fazer, o que ela veste ou como se comporta, é um problema apenas dela. O drama que atravessa, a eventual condenação por ter assassinado os pais só diz respeito a ela. A quem mais diria? À sociedade? O que Suzane deixa ou não de fazer influencia na vida dos brasileiros?
A Globo não tem o direito (muito menos o dever) de atropelar uma decisão judicial da forma como fez. E se o promotor estava louco pra prendê-la, o problema é só dele. Afinal, temos a lei justamente para impedir esse tipo de atitude pessoal dos acusadores. Digo que a emissora "prendeu" Suzane porque ela estava livre até a Globo apelar para a histeria popular e condenar (porque foi isso que ela fez) por meios não-jurídicos - o que continuo achando perigosíssimo.
 
A vida de Suzane tornou-se pública no momento em que ela cometeu um crime. Um assassinato. Crimes contra a vida são crimes contra a sociedade. Por isso, interessa. Se não, toda a parte policial deveria ser cortada dos veículos. Interessa muito porque foi um crime bárbaro. O que justifica as últimas matérias é o interesse público. Mesmo fora do noticiário durante mais de um ano, o caso não deixou de ser assunto e havia muita curiosidade (há ainda) para saber o que motivou uma menina rica a matar os pais, para ver o lado obscuro dos três criminosos.
Ela procurou a imprensa. Obviamente, ganhou espaço.
Os advogados tentaram usar a mídia para influenciar a opinião pública, com o objetivo de comover a população e aqueles que farão parte do corpo de jurados (o que não é novidade! A diferença é que dessa vez foram pegos com a boca na botija). Escolheram acertadamente os maiores veículos em cada meio. Desmascarar a Suzane, mostrar a farsa que tentaram vender era obrigação dos repórteres. Comprar a versão dela é que seria patético, reportagem de release. Mas, se isso tivesse acontecido, nenhuma polêmica teria sido instaurada. Quem errou nessa questão foi a Suzane porque interpretou mal, não chorou. Os advogados fizeram o papel de advogados: orientaram sua cliente de acordo com sua estratégia de defesa. Posto que o réu não é obrigado a provar nada contra si mesmo e, portanto, pode dizer a baboseira que quiser (dizer a verdade cabe obrigatoriamente apenas às testemunhas), nada está fora do corriqueiro.
Se houve algum deslize ético foi ter invadido a privacidade entre advogado e cliente. Mesmo assim, apenas um deslize e não uma catástrofe como o fato está sendo tratado. A justiça busca a verdade, não importa o jeito como ela apareça.
A Globo não colocou ninguém na cadeia e nem o promotor. Eles não tem poder para isso. Quem ordenou a prisão dela foi O juiz substituto da 1ª Vara do Tribunal do Júri de São Paulo, Richard Francisco Chequini (ou seja, tudo direitinho dentro da lei brasileira) por vários motivos: entre eles, o fato de que ela ofereceria risco ao irmão (já que veio a público que ela pleiteia a herança, alegando que ele não é bom administrador). Suzane fez o que os réus em geral fazem: mentiu. Os advogados orientaram e a reportagem reportou.
 
Creio que a conclusão de que foi a Globo quem colocou Suzane na cadeia é unilateral e excessivamente ingênua. Mas discordo de: "A justiça busca a verdade, não importa o jeito como ela apareça". Em primeiro lugar, porque ao invadir a privacidade entre advogado e cliente (invasão essa altamente condenável), a imprensa fez um papel que não lhe compete, mas à Justiça. Segundo, porque existem provas ilícitas que não podem ser usadas em julgamento. Os fins justificam os meios parece não ser a premissa da Justiça. Tanto que se o promotor arranjar uma prova ilícita, não poderá usá-la. Ainda que influencie o juiz, este não poderá tomar sua decisão sem base concreta em outras provas (lícitas).
 
Excesso de ingenuidade, pelo contrário, é acreditar que a Globo não foi a peça principal para a prisão de Suzane von Richthofen, que não foi por causa da emissora (e só por causa dela) que a moça que matou os pais voltou à cadeia.
Sei (pouco, mas sei) que a lei brasileira garante a um acusado que aguarde por seu julgamento em liberdade, em alguns casos - como o de Suzane. Minha opinião (pessoal, leiga e ainda não formada) é que talvez (talvez) ela, como ré confessa de um duplo homicídio qualificado, não devesse esperar seu julgamento nas ruas. Mas esse é outro assunto.
Concordo que assassinatos são crimes de relevância social, mas nem tanto. Como foi dito, o caso de Suzane desperta mais curiosidade do que qualquer outra coisa. E curiosidade está muito mais no terreno do interesse do público do que no do interesse público. Numa boa, a vida da moça que matou os pais não é relevante a ninguém - a não ser àqueles que alimentam uma curiosidade mórbida sobre 'o que aconteceu com a assassina', 'se ela vai apodrecer na cadeia' ou se safar.
O que acontece com ela neste momento, me desculpem, não tem de ser alvo da mídia, mesmo porque existem muitos outros assuntos (estes sim relevantes) a serem tratados, todos aí, na rua, na cara de todo mundo. Criança morrendo de fome, por exemplo, roubando pra sobreviver no centro da cidade.
O caso de Suzane é isolado: não aponta tendências sociais, não diz se a violência está ou não aumentando, não gera qualquer debate relevante para a sociedade. O interesse que desperta, volto a dizer, não passa de morbidez, voyeurismo.
Por isso é que critico e continuarei criticando a Globo por atender ao chamado dos advogados e ir até a moça.
Repito: a questão não está no fato de os caras estarem com a inteção de enganar a opinião pública - mesmo porque essa é a função deles, defender a cliente. Eles jamais conseguiriam enganar se a Globo não fosse lá jogar seus holofotes sobre essas pessoas. A questão está em saber porquê a Globo foi até lá, atrás de quê. Pra mim, a emissora queria audiência através do sensacionalismo. Só.
A Globo foi quem colocou Suzane na cadeia porque provocou uma onda de histeria popular - e com sua falta de ética. No dia seguinte, toda esquina comentava o caso. Num processo de retroalimentação, toda a imprensa passou a pressionar juízes e promotores, exigindo uma punição à 'falta de vergonha na cara em mentir em rede nacional, pro povo sofrido e trabalhador'. A Globo atropelou uma decisão judicial e fabricou outra, deu a deixa para que os acusadores - e não os defensores - de Suzane alcançassem seu intento.
Ingenuidade é acreditar na lisura da imprensa grande, acreditar que a Globo presta um serviço ao país fazendo esse tipo de coisa e instalando câmeras escondidas; ingenuidade é acreditar que a emissora dos Marinho não tem esse poder e, principalmente, ingenuidade é acreditar que existe Justiça nesse país.

Obs. Este artigo está também publicado no Observatório da Imprensa,. O vínculo é http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=377JDB004
 
Acho que ninguém disse que a Globo não foi peça importante no andamento do processo de Suzane, mas que ela não foi aúnica peça (como você disse). Outra coisa, por que colocar o link do mesmo texto em outro site? Já não basta lê-lo aqui?
 
Vai se fuder escritor... essa garota tem q pagar pelo q fez, pq os pobres irmãos cravinhos não ficaram 1 mes fora da cadeia e ela filha da elite tem q ficar? À cadeia assassinos
 
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