16.5.06

 

hora de repensar a pobreza,
não de radicalizar a truculência

por tadeu breda

Acabaram-se os atentados do Primeiro Comando da Capital (PCC) na cidade de São Paulo. Os jornais apontam uma média de 215 ataques e 115 mortes em todo o Estado. Até cidades normalmente calmas e com baixa incidência de crimes tiveram ônibus queimados, bancos, viaturas e bases da PM metralhadas. Isso sem contar as rebeliões – 80 –, com 13 vítimas.

Medo era o sentimento reinante entre os moradores da Capital na segunda-feira, 15 de maio. Apesar de o último ataque criminoso – uma viatura da Polícia Civil alvejada no bairro de Higienópolis – ter ocorrido por volta do meio-dia e as rebeliões terem chegado ao fim durante a tarde, escolas e universidades fecharam as portas, empresas e lojas dispensaram seus funcionários mais cedo.

A pressa para chegar em casa – aparentemente o único lugar seguro – fez com que o caos tomasse conta do já insuportável trânsito da cidade. Os ônibus eram poucos (nenhum empresário queria mais prejuízos), táxis, disputados entre os que podiam pagar. Às cinco da tarde, veículos abarrotaram as principais vias paulistanas causando aproximadamente 190 quilômetros de congestionamento, quatro vezes mais que o normal para o horário. Algum tempo depois, perto das onze da noite, as ruas estavam vazias.

Houve muito boato. Foram as notícias falsas, aliás, que alimentaram a sensação de insegurança, que causou medo, que causou pânico, que desembocou em histeria. Hoje, um dia depois, as coisas já parecem estar operando como de costume. Só as bases e quartéis da PM e da Polícia Civil, além do Corpo de Bombeiros, que permanecem atentas, com bloqueios e homens montando guarda.

Tudo voltou ao normal?

Poderíamos dizer a vida voltou ao normal, mas seria errôneo. Agora, mais do que nunca, todos os paulistas (e todos os brasileiros) podemos ter noção do ponto a que chegou a criminalidade – organizada, poderosa, sem qualquer respeito ao Estado ou às forças de segurança.

É hora de todos os cidadãos começarem a se preocupar coletivamente com a situação. Não adianta nada ser acometido por uma tentação revanchista e reclamar o recrudescimento da PM (que já é truculenta demais), leis mais severas, pena de morte, enfim, de nada adianta botar a Rota na rua, matar bandido (“porque tem que morrer mesmo”) e mandar os direitos humanos pro beleléu.

Não. O caminho é exatamente outro. Os ataques do último fim-de-semana são um alerta, um indicativo de que, se o Estado e os atores sociais não começarem a se preocupar de forma verdadeira e comprometida com a população pobre, sem paternalismo ou assistencialismo ongueiro, chegaremos a uma situação insustentável, ao aumento indiscriminado da violência e da guerra particular entre criminosos e policiais pelo controle das ruas – com prejuízos todos eles para a população.

Os atentados foram uma demonstração de poder da bandidagem, mas não só. A destruição de bancos – setor que vem lucrando bilhões nos últimos anos – é um indicativo nítido de que a pobreza rompeu as barreiras da favela para resolver as diferenças sociais na bala. Os integrantes do PCC mostraram um desprezo imenso pelo sistema que alimenta o ciclo de miséria em que o país se meteu e do qual não tem vontade de sair. O Estado também se mostra ausente na periferia, dando as caras somente na figura repressiva da polícia.

Fora com a radicalização

O momento, portanto, não é de radicalização, mas de reflexão. A periferia não agüenta mais tanto descaso, tanto abandono, tanta opressão. O PCC só é a face mais cruel de todo esse descontentamento. Não adianta mais escondermos a luta de classes, o profundo abismo que separa os poucos ricos e a classe-média da imensidão pobre do país. Não podemos mais ficar nos lixando pros que passam fome, porque mais cedo ou mais tarde a criminalidade junta abastados e desgraçados pelas esquinas.

Chega de intolerância. A onda agora é respeitar e construir, de uma vez por todas, um estado de bem-estar social, democrático de fato, capaz de diluir a desigualdade. Os ricos não podem continuar tão ricos, os pobres não devem continuar tão pobres. Se reformas sérias e profundas não vierem, se nossa estrutura social injusta não for mexida, a saída será uma revolução. Não uma revolução popular, política, com o povo nas ruas reivindicando uma vida melhor, mas uma revolução pautada pelo crime, de ruas vazias, armada e deletéria. O apelo aos governantes está feito: eles podem fazer a mudança pacificamente ou deixar que a façam violentamente. Mas que ela virá, virá – ou alguém duvida da força do PCC? [r]

Marcadores:



comentários:
Postar um comentário



< início

This page is powered by Blogger