6.5.06

 

pela manutenção da ordem

por tadeu breda

Sem oferecer a menor resistência, um estudante é abordado por um policial. Cabelos compridos, mãos para o alto, ele é derrubado com um golpe de luta livre. Está rendido, não há porquê se debater. Então o policial começa: um, dois socos direto no rosto. Desacordado, o jovem é deixado no canteiro da avenida onde o MPL protestava pacificamente contra o aumento de 8,8% na tarifa de ônibus. Florianópolis, maio de 2005.

Essa seqüência de abuso de poder pode ser vista no documentário Amanhã vai ser maior, de Fernando Evangelista, que conta muito da repressão que o movimento social sofre em Santa Catarina, de longe a mais violenta do país. "Eles prendem e soltam sem explicações", diz Matheus Felipe de Castro, advogado do MPL, ele mesmo detido durante uma manifestação, quando se apresentou a um policial como advogado de um estudante que estava sendo levado.


Ao todo, desde 2004, na Revolta da Catraca, até fevereiro de 2006, última manifestação do MPL em Florianópolis, cerca de 40 estudantes foram para a delegacia. "Fui preso em três ocasiões, e em todas elas fui jogado em cela comum, como um criminoso", relata Marcelo Pomar, militante do Passe Livre. "Na primeira vez, estava fora da manifestação, dando entrevista a uma rádio da cidade, quando quatro policiais à paisana chegaram me algemando." Em outra ocasião, quando foi preso com mais dois estudantes, Marcelo teve de pagar uma fiança de R$ 1.500, dinheiro conseguido junto a partidos, movimentos sociais e defensores dos direitos humanos de Florianópolis.

Mas a repressão não se faz somente com prisões. Três estudantes do MPL catarinense estão sendo indiciados judicialmente por formação de quadrilha, apologia ao crime e atentado a serviços públicos essenciais - ou seja, crimes comuns. "Na época da ditadura, os militantes eram enquadrados na Lei de Segurança Nacional", lembra Matheus, advogado. "Hoje as prisões são fundamentadas como crimes comuns para retirar seu peso político e evitar os direitos humanos."

Para Marcelo, o desrespeito aos direitos humanos em Santa Catarina se dá de forma sistematizada, ao contrário do que acontece no Norte do país, onde os movimentos sociais são reprimidos mais descaradamente. E não só com o MPL. "É uma dicotomia: o Estado considerado a 'europa brasileira' é um dos que mais desrespeitam os direitos humanos no país."

O coronel Dejair Vicente Pinto discorda dessa visão. Para ele, as pessoas falam muito em criminalização dos movimentos sociais, mas não criticam os atos dos militantes. "A lei é igual para todos. Se eles cometem crimes, a polícia deve combater. Não importa se foi motivação política ou qualquer outra."

Secretário de Segurança Pública do Estado, o coronel Dejair alega que a PM nunca toma a iniciativa nos confrontos com manifestantes, somente reage a provocações. "Fechar a principal ponte da ilha de Florianópolis, o cordão umbilical da cidade, é uma provocação. O centro da cidade foi todo depredado pelos manifestantes, vários danos foram contados. A polícia agiu no estrito cumprimento do dever e na manutenção da ordem pública."

Agir no 'estrito cumprimento do dever', na concepção do coronel, é um conceito amplo, que inclui até a prisão de jornalistas. Foi o que aconteceu com o fotógrafo Cláudio Sarará, detido enquanto trabalhava na cobertura de uma manifestação no terminal de integração de Floripa, em fevereiro deste ano, para o Diário Catarinense.

"Estava fotografando a ação de capangas e a prisão de um militante do movimento quando um PM me abordou e me proibiu. Pô, eu estava trabalhando. Daí ele me xingou de 'crioulo veado', eu retruquei e ele me prendeu por desacato. Depois tomaram minha máquina e me agrediram dentro da viatura", relata. Sobre este caso, o coronel Dejair apenas afirma que Cláudio estava embriagado e que, ao invés de cobrir a notícia, o fotógrafo "quis ser a notícia". E por que foi preso? "Ele atrapalhou a ação policial, foi inconveniente com os soldados."

A deputada federal Luci Choinacki (PT-SC) formulou um projeto de lei pedindo a anistia dos três jovens indiciados pela polícia. "O secretário queria prender estudantes, não importa quem fosse e como fosse, para dar uma lição neles", diz a deputada, para quem a lei e a justiça parecem não existirem em Santa Catarina.

O documento, protocolado neste ano, está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, segundo a deputada, vem sendo um instrumento de pressão, mobilização e luta por justiça e respeito aos direitos humanos no Estado. "Não podemos esquecer a repressão violenta que sofrida pelo MPL. O Estado tem de pagar o preço, a sociedade tem de saber quem são os responsáveis", diz Luci. "O direito de ir e vir, tão alegado pelos policiais, também passa pelo direito ao transporte público." [r]


foto. cmi-brasil
leia mais sobre o mpl na república caros amigos

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