2.6.06

 

conferência fortalece movimentos
de direitos humanos

CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
por fernanda campagnucci

A expectativa para a 10ª Conferência Nacional de Direitos Humanos era grande. Reunidos em Brasília de 31 de maio a 2 de junho, cerca de 700 representantes de organizações e movimentos sociais trouxeram denúncias e experiências de suas cidades. Os aplausos dos militantes na mesa de abertura, por vezes de pé, traduziam nas palmas a esperança de se avançar nas discussões sobre os direitos humanos e seus defensores.

Apesar de o tema central da Conferência ser "Modelo Econômico e Direitos Humanos", a temática mais expressiva – discutida em todos os painéis e grupos de trabalho –, foi a questão da segurança pública. Segundo Paulo César Carbonari, da Coordenação do MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos), o debate foi motivado com os crimes em São Paulo, há duas semanas, e o processo de criminalização dos defensores dos direitos humanos que emergiu dali. "O momento histórico exige essa reação", afirma.

Ainda na abertura do evento, Carbonari se mostrou bastante animado com a realização da Conferência. Sentado no chão, como os outros que não couberam nas 350 cadeiras do auditório lotado, ele já esperava resultados concretos da Conferência. Para ele, não se avançou desde a última, que aconteceu em 2004. E "ficar parado, em Direitos Humanos, é andar para trás", acrescenta. Depois de participar dos três dias de discussões, o professor de filosofia em Passo Fundo (RS) avalia os avanços e desafios da 10ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, que terá uma carta compromisso com as conclusões discutidas e aprovadas pelos participantes.

Qual é sua avaliação desses três dias de debates?
A Conferência é sempre um processo importante porque fortalece os movimentos, ajuda a troca de experiências e mantém as pessoas animadas nessa luta. Levantou-se um conjunto de temáticas nos seus painéis e grupos de trabalho, inclusive propostas que são fundamentais para que possamos fazer dois movimentos substantivos. Um deles é manter e fortalecer a luta, estruturar-se contra esse processo de exclusão e também pela transformação das instituições no país. Mas também ficou muito forte a idéia de que há uma cultura, um movimento conservador, que tem crescido nestes últimos tempos. Os eventos das últimas semanas ajudaram a dar mais espaço para esta posição conservadora refratária dos Direitos Humanos e que se traduz objetivamente no processo de criminalização das lideranças dos defensores e também de movimentos sociais. Esses dois componentes ficaram muito fortes e explícitos nesta Conferência.


Que dificuldades se encontram neste tipo de conferência?
Na Conferência de Direitos Humanos ainda sofremos um mal substantivo: nós não conversamos com a sociedade, infelizmente. Esse é o nosso maior limite e o nosso grande desafio. Porque se nós queremos transformar estruturalmente e incidir nessa cultura refratária nós temos que abrir um diálogo mais significativo com a opinião pública. A ação dos meios de comunicação de massa é importante, mas não basta isso. Precisamos montar estratégias para ampliar esse debate.

Como é possível ampliar esse debate para a sociedade?
São algumas frentes estratégicas. A primeira é o investimento maciço na Educação e a formação permanente das pessoas. Por isso a Educação em Direitos Humanos tem um papel fundamental. O segundo aspecto é que os movimentos devem ir para a rua, marcar presença. Ainda estamos no anonimato. Aparecemos, em geral, com a opinião pública contrária a nós. "Esses são os fulanos que defendem os bandidos", como se defender seres humanos não fosse correto. Mas acho que temos que ter uma ofensiva mais pública, e positiva. Um terceiro aspecto são os investimentos em massa. Gasta-se muito em publicidade, mas o governo deveria fazer uma grande campanha de mídia – daquelas que não se consegue senão pagando –, campanhas institucionais, de promoção dos direitos humanos e afirmação da atuação de seus defensores. Esse momento histórico exige essa reação.

E quais foram os avanços que a 10ª Conferência trouxe para o Sistema Nacional de Direitos Humanos?
Os dois grupos que discutiram estratégias concretas para o Sistema Nacional de Direitos Humanos – um que discutiu Conselhos e o outro Política Nacional – acumulou um diagnóstico importante da situação e sobretudo um conjunto de propostas. A primeira é que a gente aprove o projeto de lei que cria o Conselho Nacional de Direitos Humanos, mesmo tendo críticas a ele – nos comprometendo com um projeto de revisão e aprimoramento em seguida; a segunda proposta, quanto à Política Nacional, é uma questão-chave: vamos fazer um diagnóstico e uma avaliação profunda da Política Nacional de Direitos Humanos de tal maneira que possamos angariar posições para já no ano que vem fazermos a atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos.

Como foi a atuação do Governo nesse sentido?
Nessa direção do Programa Nacional o Governo foi fraco. Ele não pode editar uma lista de ações, tem que vincular a questão orçamentária e traduzir em possibilidade de ação. Na Conferência esses foram avanços significativos.

A temática central da Conferência é justamente a relação entre o modelo econômico e a sociedade. Essa discussão foi desfocada pelo debate da segurança pública?
O tema do modelo econômico é novo para os movimentos. Nem as organizações de defesa de direitos humanos tem um acúmulo e uma atuação consistente com esse viés. Esse tema foi posto mais como uma provocação para que as próprias organizações da sociedade civil percebessem que a questão do desenvolvimento tem a ver com direitos humanos, do que esperar um acúmulo mais propositivo. De fato, a Conferência não conseguiu se concentrar nesse tema. Mas isso é conseqüência desta realidade: ainda não temos uma compreensão indivisível dos Direitos Humanos. As organizações discursam isso, mas o tema ainda não está incorporado. Só o fato de termos posto esse tema é uma espécie de ação afirmativa, mostra que ele também faz parte dos direitos humanos. [r]

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