22.6.06

 

o futebol é inocente

por tadeu breda

É besteira dizer que futebol é ópio do povo. Ninguém deixa de se preocupar com política por causa do futebol. Se a Copa do Mundo ganha todos os espaços da mídia de quatro em quatro anos, não é culpa do futebol. As pessoas normalmente já estão se lixando para o que acontece por aí.

É absolutamente normal, num país em que ninguém se preocupa com a coletividade, que os jogos da Alemanha ganhem todos os espaços. Os jornais também não colaboram. Sua cobertura política não vai muito além de Brasília. O que acontece fora dos núcleos duros do poder nem sempre chama atenção. Como durante a Copa as coisas ficam mais lentas entre os parlamentares, o conteúdo dos jornais refletem a morosidade – e escolhe a Copa.

O comportamento da mídia, não é difícil perceber, é um reflexo do comportamento da classe-média do país – que tem voz, que é dona da imprensa. E o que é a classe-média? Grosso modo, podemos dizer que é o setor mais individualista da sociedade. Parodiando a música de Max Gonzaga, são pessoas que não estão nem aí se morre gente ou tem enchente nos bairros pobres, que querem que se exploda a periferia inteira, mas que ficam indignadas com o Estado quando são incomodadas pelo mendigo que estende a mão.

É fácil e mentiroso colocar a culpa na Copa, no peso do Ronaldo, nos comentários infames do Galvão. Aliás, o futebol mesmo é um retrato do país. Vejamos nossos jogadores. O Brasil é mestre em revelar talentos e vendê-los a preço de banana para o exterior. Lá eles se valorizam e jamais voltam a mostrar sua arte em gramados tupiniquins, a não ser no fim de carreira. E na economia, não é assim? O Brasil produz matérias-primas a dar com pau e exporta tudo. Lá, elas são trabalhadas, agregam valor e são revendidas aqui para uma pequena parcela da população que pode pagar. O que são jogadores como Ronaldinho e Kaká senão matérias-primas da bola altamente valorizadas no mercado internacional?

Existem vários poréns em relação à Copa. O campeonato se transformou muito mais numa grande festa comercial do que um acontecimento futebolístico. Basta vermos quantas exibições artísticas vimos em Frankfurt, Hamburgo, Gelsenkirchen... Nenhuma. Todos os times jogando feio, querendo ganhar em vez de incrementar o espetáculo. É o esquema do capital transnacional, que, afinal de contas, banca todas as jogadas que vemos pela tevê.

O futebol, no fim das contas, é mais vítima que algoz. Foi instrumentalizado, só pode ser chamado de “arte” em nossa memória distante. [r]

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comentários:
Também é absolutamente normal, em países em que todos se preocupam com a coletividade, que os jogos da Alemanha ganhem todos os espaços.
 
mas não é normal, em países em que todos se preocupam com a coletividade, que os jogos da alemanha ganhem todos os espaços se existe uma crise grave de segurança pública, se a educação recebe cada vez menos verbas do estado, se a polícia mata suspeitos indiscriminadamente na favela.
afinal, o que é a normalidade senão o resultado do que se faz cotidianamente num país?
a globo desloca 180 profissionais pra copa, mas não direciona dez pra reforma agrária. afinal, onde está o espetáculo?
 
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