11.2.07

 

duvido!

por tadeu breda

Na semana passada um relatório traçou o mapa da desgraça que o progresso humano provocou e vai continuar provocando, pelos próximos cem anos e mais, no planeta Terra. Não é demais lembrar que este é o único que temos para viver e – mais importante – que não somos seus únicos habitantes. Como o companheiro Brandão já fez algumas reflexões sobre o relatório do IPCC e suas diretrizes, quero falar de outras coisas.

Todos sabemos e não sabemos que destruímos dia após dia o meio ambiente. E sabemos e não sabemos os passos para amenizar a degradação. Por exemplo, praticando a simples e indolor coleta seletiva do lixo. É senso comum também que o consumismo destrói o planeta. Mas ninguém pára de comprar refrigerante em garrafa pet. O sonho de nove entre dez pessoas é ter um veículo particular. Os governos continuam mirando seu crescimento econômico no modelo que, além de pobreza, causa tempestades, degelo das calotas polares, inundações, etc. Todos queremos viver como nos Estados Unidos ignorando – propositalmente – que não há recursos naturais suficientes para isso.

É ilusão pensar que as pessoas – eu, você, o vizinho – vão deixar de lado as facilidades da vida contemporânea para preservar o próximo século de um planeta que não vão mais habitar. Talvez se a ciência descobrisse a fonte da vida eterna... Como não há chances de que isso aconteça no curto, médio ou longo prazo, precisamos de uma mudança radical, principalmente na economia. Porque capitalismo rima muito bem com progresso, prosperidade, aviões, arranha céus, indústrias produzindo a todo vapor, mas não com natureza. Preservar o planeta no capitalismo custa muito dinheiro, portanto, reduz o lucro, portanto, está fora de cogitação para os donos da bola.

Mas dinheiro é bom. Quem tem, adora, pode comprar um monte de coisa. Carne, por exemplo. Nem precisamos de tanto dinheiro para comprar carne. E ninguém vai parar de comer, seja filé minhon ou acem. Mas o rebanho bovino – comendo, arrotando e peidando sem parar – está entre os maiores emissores de gases estufa à atmosfera. Aquele bifinho vistoso entre o arroz e feijão do almoço esconde uma boa parcela de culpa pela tragédia do planeta. Agora, que atire a primeira pedra quem vai abdicar do churrasco no final de semana, ou do pf disputado que divide um dia cansativo de trabalho. Depois, sem essa de carro. Vamos todos de busão, até quem pode comprar um BMW. Até pegarmos um dia chuva de calor, como os do verão paulistano, com o bumba lotado. Todas as janelas fechadas, o tráfego parado, a temperatura nas alturas, todo mundo suando... Como é que você vai se apresentar pro seu chefe desse jeito? E o cliente, o que vai achar das marcas de suor no entorno do seu sovaco? Tá, você promete que vai colocar um bom catalisador no escapamento do seu veículo. Até chegar a hora de trocá-lo. Daí vai pesar no bolso, tem as despesas extras das crianças, aquela comprinha em que você gastou demais. Como é que fica?

Então. Vamos supor que você vai sacrificar suas preferências gastronômicas em nome do bem-estar da natureza. Beleza, resolve parar de comer carne. E o substituto mais eficiente de proteínas e a soja. Mas a soja é a maior responsável pela expansão descontrolada da fronteira agrícola no Mato Grosso e outros estados da Amazônia Legal. Pra plantar, tem que desmatar. E o desmatamento, você sabe muito bem, também está entre os maiores promotores do efeito estufa, é a maior contribuição que o Brasil dá para o aquecimento global. E o rei da soja, Blairo Maggi, é o governador matogrossense. Faz parte inclusive da base de sustentação do presidente Lula.

O resultado, já sabemos. Algumas empresas vão lançar cada vez mais campanhas publicitárias dizendo que defendem o meio ambiente, usam papel reciclado, contribuem com o Greenpeace. Às vezes gastam mais na propaganda das bem-feitorias do que nas bem-feitorias propriamente ditas. Ganham, assim, mais clientes, aqueles preocupados com a natureza, enquanto emprestam dinheiro para indústrias que inevitavelmente vão poluir a atmosfera. Proteção ambiental vai também virar plataforma de políticos que, nas próximas eleições, não pensarão duas vezes em despolitizar a questão para ganhar votos.

As emissões, claro, serão reduzidas. Mas só até onde o sistema aceitar, só até onde nossas mordomias permitirem – o que, tristemente, é insuficiente. A batata quente
e cada vez mais quente está com os incluídos, os que movimentam a máquina, os que gastam, que consomem, que poluem. Eles vão abdicar do carro, do churrasco, do ar-condicionado, da piscina? Eu vou? E você, vai? [r]

Leia também: quanto tempo ainda iremos perder?

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comentários:
Caro autor, eu renunciei ao filé, seja de frango, de boi ou de peixe, por uma questão moral, ética, que vai além da necessidade de preservar o meio-ambiente. E raramento como soja, mas, não sei se vc sabe, a soja não é a panacéia dos vegetarianos e, mesmo se todos os 180 milhões de brasileiros comessem soja uma vez por semana, o consumo deste grão seria bem menor do que é hoje, pois as milhares de toneladas que o senhor Blairo Maggi exporta destinam-se, em boa parte, ao fabrico de ração de animais. Meses atrás, militantes do Greenpeace acompanharam um carregamento de soja de um porto no norte do Brasil até seu destino final: Inglaterra, de onde partiria para a fábrica de rações que alimentaria os frangos do Mc Donald´s. Enfim, ser vegetariano é uma forma de contribuir para a preservação da Terra tal como a conhecemos (um estudo recente compara o impacto ambiental médio que um vegetariano e um onívoro exercem sobre o meio ambiente: um ovo-lacto-vegetariano exerce um impacto bem menor. Enfim, eu respondi parte das suas perguntas. Uma outra: vivi até hoje fazendo quase que somente uso do transporte coletivo. Confesso, foi mais por força das circunstâncias do que por fibra moral, mas há inúmeras vantagens individuais nessa prática...
Acho que as respostas às perguntas finais do texto resumem-se a um sonoro NÃO por parte da maioria dos leitores. É por isso que não podemos deixar o futuro do planeta e das próximas gerações a mercê da nossas virtudes morais! Precisamos urgentemente de medidas que desestimulem a maioria dos hábitos que vc citou, como aumentar impostos sobre alguns produtos, desestimular o uso do automóvel, desestimular certos setores da economia e, logicamente, proporcionar alternativas "limpas" para aqueles que mudarão forçosamente seus hábitos e ramos de atividade.
 
mas, e a revolução?
 
O maior erro que se pode cometer em termos de aquecimento global é o da "gerações futuras". Quem disse que os resultados não nos atingiram ainda?

Também vejo uma outra coisa nisso aí. O desejo de conciliação.

Explico.

Digamos que eu sou uma corporação que depende de derivados de petróleo. Alguém aponta o dedo pra mim e diz: "ei, você vai matar meus decendentes". E eu respondo: "calma, vamos chegar num acordo. Eu vou fazer uma pesquisa aqui, e logo logo você vai ter o seu produto igualzinho, mas menos poluente." E a contorção é indefinida. O Estado pressiona com legislação, algumas pessoas se organizam para combater a poluição, e no fim, ninguém poderá vislumbrar uma decisão definitiva. Porque ninguém será obrigado a deixar de poluir. Com sorte, e muito esforço, só seremos obrigados a poluir menos. Cabendo a nossos filhos a solução (aquela que nós não aceitamos).

Vejam só. Pensem num país que tenha nos combutíveis fósseis sua matriz energética. Cada computador ligado, cada freezer funcionando, cada radinho na tomada significa que um pouco mais de lixo é gerado. E aí, o que nossos filhos que cresceram na frente do computador, com uma mão no freezer e um ouvido no rádio vão fazer a respeito?

E, sem querer ofender, ovo-lacto, mas as perguntas do autor são retóricas. Claramente.
 
Sim, são retóricas, assim como as respostas que a maioria lhes dá.
O que esse texto põe em questão é o papel de cada habitante do planeta na sua preservação. As perguntas feitas no texto têm de ser respondidas com atitudes cotidianas. Mas, enfatizando a minha descrença na força da moral na mudança de comportamento, as medidas mais importantes serão tomadas pelos governos - que, obviamente são, em parte, pressionados pela opinião pública. Entre essas medidas, estão a mudança de matriz energética (substituir os combustíveis fósseis...), taxar pesadamente produtos ecologicamente inviáveis ou alterar a sua destinação, desestimular hábitos compartilhados pela maioria etc... Individualmente, é claro que ninguém é obrigado a se tornar vegetariano e andar apenas à pé ou de bicicleta, mas repensar os hábitos de consumo e consumir menos começa a ser uma obrigação de todos.
 
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