22.2.07

 

o prestes

por tadeu breda

O Prestes é um exemplo de resistência popular à injustiça social que oferece seu contraste mais cruel justamente aqui, na cidade de São Paulo, onde os mais pobres e os mais ricos convivem lado a lado, ora com violência explícita, ora velada.

Os 23 andares do Prestes foram ocupados depois de anos de inutilidade. Ali, em pleno centro, um monstro de concreto estava vazio, morto, enquanto milhares de pessoas não têm dinheiro para pagar aluguel ou são obrigadas a morar longe, muito longe dos empregos, da cultura e do lazer que a cidade oferece.

Os sem-teto se organizaram, muitos deles cansados de desviar o dinheiro da cesta básica para evitar o despejo de cortiços e quitinetes que, mesmo baratas, são difíceis de pagar para a maioria dos trabalhadores. Entraram no Prestes no meio de uma das noites de 2003. E ficaram.

Ali tiveram muito trabalho. Ligaram a força, pediram a instalação de telefones, recuperaram o sistema de abastecimento de água. Na medida de suas possibilidades, deram vida nova ao prédio. Foi o melhor processo de revitalização que poderia ter acontecido ali. Tiveram filhos, construíram uma biblioteca, um espaço cultural com exposições, palestras, música, arte. Transformaram o Prestes abandonado – tomado por ratos e baratas – em suas casas.

Porque o foco de resistência popular, o novo quilombo, a maior ocupação vertical da América Latina, antes de tudo, é um conjunto residencial. Lá moram camelôs, catadores de papel, eletricistas, guardadores de carro, carroceiros, empregadas domésticas. Para muitos, morar num dos apartamentos improvisados na avenida Prestes Maia, 911, Luz, é mais que um endereço, é garantia de trabalho. E dignidade.

É a residência autogestionada. Tudo funciona na base do cooperativismo, desde a limpeza até a coordenação. A lição de democracia ensinada pelo Prestes passa pelas decisões tomadas em assembléia, pela liderança obediente do MSTC, pela luta diária contra a opinião pública, o poder público, a polícia, contra todas as forças sociais que transformam a ocupação em invasão, os sem-teto em criminosos, a resistência em transgressão, a revitalização em favelização.

Onde pode haver justiça nessa reintegração de posse constantemente anunciada e adiada, anunciada e adiada? Os proprietários do Prestes, aqueles que detêm os papéis reconhecidos em cartório, devem muito IPTU para a Prefeitura: mais de cinco milhões. O Prestes ocupado pelos sem-teto, os 23 andares de moradia para aqueles que não têm outro lugar que não a rua, não tem preço. Mas a Caixa Econômica Federal estima que vale sete milhões.

Os militantes jamais vão impedir a polícia de expulsá-los. Não há comparação de forças quando há bombas e escudos de um lado, revolta e peito aberto do outro. Além do mais, qualquer tipo de enfrentamento físico vai contra a tradição dos sem-teto. O punho cerrado está lá para reivindicar, não para bater. A voz e a organização são as armas de ataque. Elas não ferem, convencem.

Por isso, o Prestes tem que vencer, tem que se transformar de uma vez por todas num conjunto reestruturado com o apoio de arquitetos e engenheiros financiados pelos programas habitacionais da prefeitura, do estado e da União. Para que ganhe o status do símbolo que é, da força que representa, da mudança que pode iniciar quando o povo organizado desde baixo, por si mesmo, consegue vencer os mais espúrios interesses especulativos e mostrar que o ser humano vem antes. Sempre. [r]

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