24.8.07

 

viagem ao brasil de lá, parte 2

por fábio brandt

Na imensa área do Comando Militar da Amazônia (42% do território nacional), os militares executam atividades variadas: cumprem função de polícia, autorizados por lei; trocam tiros com traficantes e contrabandistas; oferecem atendimento médico à população; provocam o surgimento de escolas infantis e até participam da realização de eleições.
“O soldado, quase sempre, é a única esperança nessa imensidão verde”. Essa frase do vídeo institucional que foi repetido bem umas cinco vezes durante a viagem tem a intensidade reforçada pelo trabalho dos relações públicas do exército. No entanto, não difere muito da realidade. O problema: nem todos têm acesso à essa quase única esperança.

Isso ficou claro em nossa passagem por São Gabriel da Cachoeira, a 852 km de Manaus. Compõem a paisagem da cidade casas precárias, muitas sobre córregos. Quase não há tratamento de água. Uma realidade compartilhada pela maior parte das cidades da região norte, segundo apontam dados do IBGE: dos 896mil m³ diários de água distribuídos no Amazonas, 607mil m³ são tratados (90% vai para Manaus).

Apesar de precária, São Gabriel é “centro urbano” na região da “Cabeça do Cachorro” (extremo noroeste do Brasil, na fronteira com Colômbia e Venezuela). O Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira, único da cidade, atrai populações de muitos municípios – distantes dias ou semanas em viagens de barco, única forma acessível de chegar ao local para a maior parte das pessoas.

No alto do Bairro Dabaru, no centro do encontro de algumas ruas, o Hospital se destaca na paisagem. Mais pela localização que pela aparência: inaugurado em 1995, apenas recentemente o Hospital passou por uma reforma, ganhando parte de suas instalações em alvenaria.

O diretor do Hospital, Major Médico João da Silva Couto Lima, é quem apresenta as instalações do local: 65 leitos, duas salas de cirurgia e duas unidades semi-intensivas. “Não temos UTI”.

Dentro das salas, as macas ocupadas por pacientes suportam mais do que sofrimento pela moléstia ou alegria pela recuperação. Deitada na maca, com o neto de menos de três meses no colo, a avó conta que foram três semanas de barco para chegar ao Hospital. Couto aponta que as principais ocorrências atendidas são: doenças tropicais, picadas de cobra e acidentes com armas brancas. “O pessoal bebe e aí já viu...”.

O governo federal inaugurou a obra em 1990, diz o diretor, mas o atendimento à população começou apenas em 1995, após o exército enviar médicos-militares para trabalhar nele. “O governo não alocou recursos humanos para faze-lo funcionar. Chegamos e fizemos parceria com o Governo do Amazonas e a prefeitura da cidade para cobrir despesas”.

Couto destaca a insuficiência de recursos do Hospital, verificada com a limitação do corpo médico e apoio logístico do hospital. “Não podemos buscar todas as pessoas que precisam”. As formas de transporte ao Hospital são: aviões da FAB, embarcações do exército e, principalmente, barcos particulares (em viagens que duram dias e até semanas), porque nem todos têm acesso a meios de comunicação. “Precisamos de mais recursos para atender melhor e poder buscar mais pessoas”, afirma Major Couto.

Ele fala sobre a importância do serviço obrigatório, apresentando alguns médicos jovens que trabalham no Hospital de São Gabriel. Recém formados, eles vêm do sul do país: Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro. “Não fosse o serviço obrigatório, não teríamos nem esse pouco pessoal”. Major Couto explica que, quem precisa se alistar e já está na faculdade, pode pedir para se apresentar às forças armadas após o término do curso. “O que não significa que vai servir. Hoje em dia, praticamente só serve quem quer”. A maior parte do contingente incorporado por esse sistema, em todo o país, é de ex-estudantes de medicina, afirmaram diversos oficiais.


Pelas veias da floresta
A dificuldade de deslocamento é presente em toda a Amazônia. Mesmo a concentração populacional e industrial de Manaus não escondem essa realidade. Não longe da capital, a bacia do Amazonas já inviabiliza o transporte terrestre. Perante o alto custo do transporte aéreo, o fluvial desponta como solução. “Isso implica que há lugares em que só as Forças Armadas conseguem chegar para levar mantimentos e médicos”, disse o General Cerqueira, autoridade máxima do Comando Militar da Amazônia (CMA).

Na área do CMA (42% do Brasil) a realização de transporte (de carga e de pessoas) é feito na seguinte proporção: 86% pelo Centro de Embarcações do CMA (Cecma); 12% pela Força Aérea Brasileira (FAB) e 2% por diversos meios civis.

As funções do Cecma, segundo seu comandante, Coronel Fernando Paranhos, são: apoiar o treinamento das tropas na selva e patrulhar as águas do CMA. “O que envolve até troca de tiros com traficantes e contrabandistas”, diz. Mas, os 86% de transporte realizados pelo Cecma implicam fugas dessa rotina.

O Centro de Embarcações também transporta suprimentos alimentares e médicos para comunidades afastadas, em lugares de difícil acesso, onde apenas a estrutura militar consegue chegar, diz Paranhos. Outro exemplo de suporte à população é a participação do Cecma na realização de eleições: “Transportamos urnas até os eleitores e vice-versa”, conclui Paranhos.

Na cidade das nuvens
O transporte aéreo é muito mais rápido e eficiente. No entanto, custa caro. “A passagem de avião de São Gabreil da Cachoeira para Manaus custa entre R$550 e R$750”, afirmou o coronel Nevares – que recebeu nossa comitiva em São Gabriel. Para o cidadão comum, que precisa visitar familiares ou procurar tratamento médico em outras cidades – porque, na Cabeça do Cachorro, a escassez de serviços públicos predomina – fica muito difícil.

Convidados pelo Exército para conhecer seu trabalho na Amazônia, para nós as coisas são “um pouco” diferentes. Chegamos a Manaus num Brasília. Para São Gabriel voamos num Amazonas.

Tanto na ida, como na volta, dividimos o avião com nossos anfitriões do Cecomsex e civis: pessoas que precisavam de uma carona da FAB. Entre os grupos que nos acompanharam, alguns com traços indígenas, típicos da população amazonense. Outros, com aparência do Brasil de cá (São Paulo, Paris, Londres), eram parentes de militares.

“Sempre fazemos isso”, diz o Major Hardt – oficial do Serviço de Comunicação Social da Aeronáutica que nos acompanhou na viagem.
“Temos que dar todo apoio a população. Mas, nem sempre há assentos livres e os vôos não são diários”. Apesar da boa vontade demonstrada pelas forças armadas, o transporte de civis não está em suas obrigações, por isso se torna uma atividade muito informal, difícil de receber cobranças.

Também experimentamos dois helicópteros: o Black Hawk e o Cougar. Duas aeronavez para apoio de missões militares, tanto de guerra como de resgate. Para coloca-los no ar, os oficiais estimaram gasto de, aproximadamente, cinco mil dólares.
[r]

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