14.4.06

 

direita e esquerda: proposta de debate

por hugo fanton

Em época de eleição, a imprensa sempre inicia um debate: quem é esquerda e quem é direita. Normalmente, acusa o PT de não mais defender uma antiga ideologia. Mas, infelizmente, não oferece ao público ferramentas necessárias para julgar esse tipo de informação.


Reclama da falta de ideologia no debate político dos candidatos, mas não se propõe a discutir ideologia. Não é dado ao eleitor a possibilidade de concluir quem é direita ou esquerda, pelo simples motivo de que nem mesmo quem trabalha na imprensa reflete a teoria política.

Minha proposta com esse texto é iniciar um debate necessário em busca de conceitos hoje muito nebulosos, devido à falta de material midiático e à não correspondência na prática daquilo que a teoria nos ensina.

Basicamente, o que a direita defende é desenvolvimento garantido pela menorparticipação possível do Estado na economia. O mercado deve gerar, livremente, riqueza à população. A felicidade do povo é dada pela combinação de menos impostos às empresas e fluxo financeiro internacional garantido pela responsabilidade governamental (ou seja, pagar todas as contas). Isso geraria riqueza às empresas, que crescem, criam empregos e, com isso, todos ganhariam.
Seria como a classe detentora do poder político-econômico dizer: deixem-me crescer que eu carrego o resto, mesmo que esse resto tenha condições mínimas de vida. Esse conceito é resumido pela famosa frase de Delfim Neto: primeiro, devemos fazer o bolo crescer, para depois repartí-lo. É desigual, mas todos consomem, fim máximo de uma sociedade capitalista. Eu consumo, logo, existo.

Segundo a direita, a quebra desse fluxo prejudicaria as duas pontas. Seria algo como: melhor meia dúzia de ricos, que por um suposto mérito teriam chegado à riqueza, e um povo que miseravelmente sobrevive, do que todos mortos.

Melhor todos consumindo, mesmo que alguns comprem pouco, muito pouco, do que ninguém. E, assim, o capitalismo é mantido com toda sua força. A ideologia direitista e o sistema em que vivemos se completam, se consomem, e de mãos dadas carregam o mundo desta maneira injusta em que vivemos. O capitalismo se alimenta da desigualdade e o argumento do mérito, muito utilizado pela direita, dá o embasamento ideológico necessário para a manutenção do sistema. Ambos se completam perfeitamente. A teoria esquerdista, ao defender a atuação forte do Estado na economia, para garantir a todos igualdade de condições, uma vida digna, quebra essa ligação entre ideologia e sistema. Propõe igualdade num mundo que pede por desigualdade. E o grande erro dela, no Brasil de hoje, é acreditar que pode conviver com o capitalismo. Tenta conviver e ao mesmo tempo implantar sua visão de mundo antagônica ao sistema. Mas não sobrevive porque não é a melhor opção para o funcionamento do capitalismo.

O pensamento de esquerda tenta lidar da melhor maneira possível com um sistema injusto. O PT ainda é esquerda por acreditar na força do Estado na promoção de justiça social. O grande erro é crer que pode lidar com o sistema. Para isso, o partido faz concessões e corrói seu próprio pensamento. Descobre que nada como ser de direita para lidar com o capitalismo e, assim, se deixa influenciar.

A teoria de esquerda não é vivida em sua totalidade e, por isso, se corrói. Pensamento, discurso e ação ficam desconexos. Com isso, é criado um programa social de transferência de renda, mas continua sendo paga uma dívida injusta. Não há privatizações, porém mantém-se juros altos. E por aí vai... A esquerda passa muito tempo buscando soluções para conviver com um sistema criado e mantido pela direita. Busca alternativas dentro de um sistema que já tem na direita seu embasamento intelectual.

A resposta seria criar algo novo. Admitir isso é muito difícil, pois ao fazê-lo coloca-se a um passo de pegar nas armas. Admitir isso é pedir revolução. Por isso, a esquerda brasileira não admite e tenta, agonizante, conviver com o sistema e buscar alternativas dentro do capitalismo. A direita, por sua vez, continua a gozar dos privilégios que o capitalismo lhe dá. E, na ponta de tudo isso, está a grande maioria da população que, faminta, se sente saciada por um crediário nas Casas Bahia. Faminta, ainda consome. E, dentro do sistema, existe.

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comentários:
Direita e esquerda (isso foi mesmo repetido pela Folha umas três vezes este ano) surgiram das posições físicas que os representantes ocupavam na corte francesa, pouco antes da revolução. Os que defendiam mudanças posicionavam-se usualmente à esquerda do rei, os que defendiam continuidade ficavam à direita (representantes do clero e da nobreza).

Temos que admitir que, desde seu surgimento, esses conceitos não foram muito bondosos com a dita "direita", já que coloca nela essa marca de retrógrada e atrasada, defensora de privilégios, praticamente um "eixo do mal" da política e da sociedade. Tanto que, hoje, nenhum partido assume ser "direita". A única excessão que conheço foi, em uma ocasião, o falecido Luís Eduardo Magalhães, que no entanto não conseguiu convencer seu partido a fazer o mesmo.

Ficamos, então, com essa definição? A esquerda é do bem, e a direita é do mal, cabendo a nós saber quem é o quê? Parece simplismo, embora eu não tenha outra sugestão... Às vezes, até para que as coisas continuem como estão, é preciso mudar.
 
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