11.5.06

 

evo, pero no mucho

por tadeu breda e joão peres

Evo Morales pode ser bastante popular, mas não é unanimidade entre os bolivianos. Pelo menos é essa a impressão que dá quando se conversa com alguns conterrâneos do ex-líder cocaleiro radicados na cidade de São Paulo. Uma feira que acontece todos os domingos na Zona Norte de Capital tem roupas, comidas e músicas típicas da Bolívia.

Tem também uma barraca singela, só com uma tevê, que fica lotada quando o proprietário, vendedor de dvds, faz uma pequena exibição pública do pronunciamento que o novo presidente boliviano faz no dia 1º de maio, sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos.


Logo ao lado, quieto, lendo um gibi de Walt Disney, está Mario Copana, 53 anos. Na feira, Mario vende chicha – suco feito de milho e amendoim – e diz não gostar de Evo. “Eu penso que com este presidente a Bolívia segue como um país atrasado, andando para trás”, diz, sotaque ainda bem carregado. “Bolívia precisa de gente com mais sabedoria, mais conhecimento, para que possa guiar os bolivianos para seguir adiante, não estancar no mesmo nível.”

Para Mario, que era taxista na Bolívia e há cinco anos aluga um quarto no Belenzinho, na Zona Leste, a melhor coisa que o governo boliviano pode fazer para seu povo é aliar-se aos investidores estrangeiros. “A maioria do povo depende de gente que tem muito dinheiro, que pode investir. Porque os bolivianos não têm recursos para criar uma empresa, uma fábrica. Não tem. O povo boliviano espera quem estiver fora – pode ser brasileiro, americano, europeu – investir dinheiro no país e criar fontes de trabalho. É disso que ele precisa.”

Mesmo defendendo a forma como foi governado o país até a vitória de Evo – com intensa associação entre Estado e iniciativa privada –, Mario reclama das condições de trabalho da Bolívia. Tanto que deixou seu táxi em La Paz e veio tentar a sorte no Brasil (culpa dos mini-buses, que roubaram seus clientes).

Mario está entre os 2 milhões de bolivianos que vivem fora do país mais pobre da América do Sul, um grupo gigantesco de refugiados econômicos. Cem mil deles estão no Brasil, basicamente em busca de trabalho, caso também de Afonso Vargas, 11 anos em São Paulo. “Na Bolívia tem serviço, mas é muita concorrência. Por isso que a gente veio pra cá, que tem muito serviço, mas é sacrificado.”

Sin diñero, sin universidad

Zorando e Orlando Mayor deixaram a cidade de Oruro, próxima da fronteira com o Chile. Jovens, tiveram de abandonar a universidade por falta de dinheiro. “Bolívia é um país atrasado, onde não há fontes de trabalho. Lá, quando a gente acaba o secundário, não tem dinheiro pra fazer uma universidade”, diz Orlando, filhinha à tiracolo. “Poucas pessoas têm dinheiro para fazer cursos preparatórios, e quando passamos na faculdade, mesmo pública, é difícil se manter”, complementa Zorando. “Tive de largar Economia no segundo ano.”

Ele explica um pouco da história recente da exploração dos recursos naturais bolivianos, parte da história da sua própria família. “Meu pai trabalhava na mineração. Na década de 90, as minas quebraram e toda a produção foi interrompida. O problema foi que os Estados Unidos tiraram todo o estanho da cidade onde eu morava, exportou tudo.”

A crise do estanho, então o motor da economia boliviana, começou nos anos 80 com o esgotamento das reservas e a queda dos preços internacionais. As minas foram fechadas e o desemprego foi às alturas, acompanhado da pobreza urbana. Hoje se estima que 60% da população boliviana viva em estado de miséria.


Esgotado o estanho, o alvo das empresas transnacionais passou a ser os hidrocarbonetos. A hispano-argentina Repsol-YPF, a British Petroleum e a Petrobras são as companhias que mais estão presentes nos poços de exploração de gás e petróleo bolivianos. “Bolívia é um país rico em tudo. O que falta é capital”, diz Orlando. “Os presidentes anteriores fizeram a capitalização na Bolívia, mas de maneira errada, porque venderam as empresas estatais por um preço muito inferior ao que elas realmente custavam. E uma vez vendidas, seus lucros não ficam no país.”

Prejuízo de 2%

A Petrobras, por exemplo, maior empresa em atividade na Bolívia, investiu US$ 1,5 bilhão desde quando se instalou por lá, ainda no governo FHC. Agora que Evo Morales nacionalizou o gás, ela pode ter um prejuízo anual de até US$ 100 milhões, cerca de 2% do faturamento total da ex-estatal – US$ 17 bilhões em 2005, o dobro de todo PIB boliviano.

Para os amigos Orlando e Zorando, Evo representa um pensamento novo na gestão das riquezas naturais da Bolívia. “Quando ele estava fazendo campanha, ele falou pra todo mundo: ‘vou recuperar todas as riquezas da Bolívia’. Então ele só está fazendo o que nos disse antes”, comenta Zorando.

“Bolívia vai ter uma mudança. Pode ser pra pior ou pra melhor, mas essa mudança é necessária. A gente fica um pouco zangado por morar num país que tem tudo, mas que fica dependente de empresas transnacionais. A gente não gosta”, complementa Orlando.

E finalizam: “Chegou a hora do cambio. O governo da Bolívia está pensando de uma maneira boa, não quer que o seu povo sofra ainda mais. E se você tem que mudar, tem que mudar tudo, não tem que deixar fazer na sua casa o que eles quiserem.” [r]

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comentários:
Parabéns, nao só pela reportagem, como também pela idéia. Derrubaram os grandes jornais Brasil...
 
obrigado, hugo, mas quando estivemos lá, no domingo, vimos alguns repórteres do estadão e da cultura, por exemplo. inclusive um senhor boliviano - o dono da tevê que transmitia discursos de evo morales - nos hostilizou por isso. "poxa, vcs nunca vêem aqui, de repente todo mundo resolveu aparecer?"
claro, ele estava com a razão. porque me pareceu que todas aquelas pessoas, bolivianos e peruanos, imigrantes, quase todos pobres, só têm relevância pra sociedade quando acontece um problema outro, externo a eles, de ordem econômica, estratégica - que diz respeito a eles, mas não são propriamente deles, não são eles.
isso me fez sentir mal no momento e questionar minha presença ali. não sei. por mais que estejamos tentando fazer algo diferente, às vezes sinto que fazemos as mesmas coisas, divergindo somente nos detalhes, na abordagem. talvez aí é que esteja toda a diferença - talvez não.
o negócio é mesmo continuar tentando...
 
boa reportagem, achei legal encontrarem esse pessoal que viveu lá, pq só eles sabem da situaçao social do país, e ninguém abandona sua terra natal assim, sem mais nem menos. Só não sei se o Morales e a Bolívia vao ter mesmo força pra produzir gás sem as multi, já que não é só cavar um buraco no chao, e desse ponto de vista acho precipitadas as asperezas dele com o brasil e a petrobras.
 
Isso pode ser um bom ensinamento. Vamos à procura de grupos que nao têm voz na imprensa e abrir o espaco do blogue a eles. O exemplo pode ser a entrevista dos meninos da Sao Remo para o Jornal do Campus.
 
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