23.6.06

 

“a américa latina é o laboratório
dos países desenvolvidos”

por hugo fanton, desde frankfurt

Há um mês encontrei-me com um professor para entrevistá-lo. Atrasado, pedi desculpas e dei início à conversa, um tanto quanto envergonhado. Mas não houve problemas, já que o simpático peruano tinha muito a dizer. Minha tarefa era ter bastante atenção e registrar importantes palavras, que revelaram o pensamento alemão sobre a América Latina e trouxeram sugestões aos profissionais de comunicação, dentre outros assuntos.

Minha idéia inicial era fazer uma série de perguntas, mas isso não foi necessário. Bastou uma. Após cerca de três horas de conversa, fiz a segunda e última questão, dando-me por satisfeito. Poderia aderir a uma prática comum nas redações e fingir que fiz uma entrevista tradicional. Para isso, pegaria trechos da conversa e inventaria perguntas que não foram feitas. Seria mais fácil pra mim e rápido para o leitor. Entretanto, trata-se de um blogue, sem editor nem dinheiro envolvidos. Permito-me, então, cometer o absurdo de escrever dois parágrafos sem nem ao menos dizer o nome do entrevistado.

“Sou dos Andes peruanos, Jauja, a 3.320 m do mar. Em 1982, fui a Lima para estudar filosofia e teologia, pois queria ser sacerdote”, essa foi a primeira frase de Hugo Pariona, cientista adjunto (Wissenschaft mitarbeiter) da Johann Wolfgang Goethe Universität, de Frankfurt, que enfrenta a difícil tarefa de tornar a América Latina um assunto interessante para os alemães.

“Porém, não estava contente com a Igreja Católica peruana, muito conservadora, semelhante à época medieval, e desisti de ser sacerdote. Passei a estudar a educação. Cheguei a trabalhar como professor, mas meus métodos não agradavam e tive problemas em escolas peruanas. Então, vim pra Alemanha em 1992 e estudei por quatro meses. Conheci estudantes de direito, que viajaram comigo de volta ao Peru, onde permaneceram por seis semanas”.

Você, leitor, está lembrado daquele programa da TV Cultura: “Senta que lá vem história”? Após essas primeiras palavras percebi que o papo iria longe. Conferi o gravador, acomodei-me no sofá, deixei delado a relação de perguntas e anotei o que segue.

“Sofri um acidente de carro e fiquei em coma induzido, sete meses na cama. Os médicos disseram que tinha um tumor no meu cérebro, mas minha mãe não autorizou a operação. Resolvi ir à Alemanha após sugestão de um médico. Meus amigos aconselharam-me a viajar como turista e enviar documentos à faculdade, para conseguir visto de estudante e poder fazer todo o tratamento.

Aos poucos, aprendi a língua. Pude ingressar na Universidade e dar continuidade ao tratamento, que duraria mais de quatro anos. Entrei em psicologia. Fiz quatro semestres e desisti, pois tratava-se de umapsicologia muito experimental. Passei a estudar pedagogia e política. Interessava-me por ciência política para poder voltar e fazer política no Peru. O problema é que na América Latina, em geral, as pessoas não aprendem política para entrar na política. Elas têm dinheiro e isso as credencia para disputar o poder. Terminei o curso em cinco anos”.

Ao leitor que se empolgou, peço desculpas. Devo cortar o texto. O lado direito do meu cérebro manda que eu continue sem me preocupar com o restante do blogue. Mas devo conter-me em respeito aos outros textos. Na parte cortada, que este parágrafo substitui, o professor diz estar interessado por ecologia social e métodos de transdiciplinaridade.

“Passei a estudar métodos de comunicação, porque sofremos da falta de informação correta, de conhecimento. O problema na América Latina é que nos bombardeiam com informações que não são úteis, supérfluas ou não decodificadas. A maioria da população só tem acesso a notícias muito supérfluas ou muito complexas. Outro problema na América Latina é a existência de fronteiras não necessárias, que barram o fluxo do conhecimento entre os países”.


Novo corte. Pariona diz agora ter interesse em diferentes teorias, como a dos sistemas, que sugere o transporte dos métodos das ciências naturais, sobretudo, às sociais. Além do estudo dos sistemas de relações internacionais.

“O Brasil é um jogador adequado no mundo. Econômica e cientificamente é o único na América Latina que pode competir com o restante do planeta. Precisamos trabalhar com outros conceitos na América Latina, que tratam de interdependência. Mas não como os países industrializados, que trabalham com interdependência apenas econômica. Um novo conceito abrangendo cultura, política e área social.

Interesso-me, principalmente, pela teoria da democracia e processos de democratização. Isso supera conceito de desenvolvimento. Os países ricos têm sistema democrático que funciona. Devemos medir processos que possam nos levar a ter sistema que funciona. Disso virá o desenvolvimento. Apesar de termos meios adequados, na América Latina tudo ocorre de forma muito lenta. Há pensamento de que se economia não funciona, não há desenvolvimento”.

Sugiro agora ao leitor que preste bastante atenção nas palavras que seguem. Nunca enxerguei nossas “resoluções” com esses olhos. Lá vai:

“As pessoas não percebem que já tentamos de tudo. A América Latina é a região dos experimentos. Muitos teóricos dizem isso aqui. Trata-se da região em que os países desenvolvidos experimentam algo que não podem testar em seus países. É o laboratório dos países desenvolvidos. E a América Latina não aprende, não vê que já tentou de tudo. Procura sempre novos princípios econômicos. Mas não se dá conta de que é a democracia, são as instituições que garantem as regras do jogo, para todas as partes do sistema – ecologia, política, trabalho, etc.

Devemos criar uma base. O mundo desenvolvido, antes de tudo, se dedicou à democratização. Na América Latina só podemos apontar duas democracias consolidadas: Uruguai e Costa Rica. Quem diz isso são teóricos da democratização, apoiados em critérios políticos adequados.

Apesar de há 20 anos ter ocorrido a abertura democrática, o Brasil, por exemplo, ainda convive com máfias que se organizam contra o sistema policial. O Estado de Direito funciona em certa medida. O sistema democrático não consolidou-se. Os políticos do Brasil não têm uma carreira dentro de seus partidos, que tenham se legitimado na sociedade. Mas apenas representantes de interesses próprios. Alguém que paga a própria campanha e vence a eleição. Parlamentares que são ao mesmo tempo donos de empresas, fábricas, grandes fazendas e meios de comunicação. Há eleição e processos democráticos, mas falta legitimação”.


Neste momento há uma pausa. Não na conversa, mas na argumentação, que passa à identificação mais detalhada de nossos problemas, introdução no tema “imprensa” e apontamentos de possíveis soluções. Devido ao tamanho, corto aqui a primeira parte e, na próxima semana, publico o restante. [r]

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comentários:
Ô reverso, adiciona minha página nova na tua?? =)
São minhas matérias em pdf...
bacci
 
Fala dona Dip! Tudo certim? Quer dizer que o Tadeu não te dá mais trabalho por essas bandas da Caros Amigos... sobrou o Maurício! heheheh
 
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