18.6.06

 

três histórias de copa do mundo

por hugo fanton, desde frankfurt

O susto

Estrondo. Gritos. Acordo assustado, sem distinguir ao certo sonho e realidade. Hesitante, caminho à minha janela. Abro a cortina e me deparo com a morte. Desde que cheguei emFrankfurt, ouço histórias de pessoas que se suicidam na moradia de estudantes. Parece ser tradição por aqui.

De longe, o rosto transmite uma incompreensível paz. São instantes eternos em que minha alma é bombardeada por todo tipo de sentimento. Meu espírito sofre por não saber qual pensamento ou reação trará a paz que a instantes tinha em meu tranqüilo sono.

Simplesmente não sei no que pensar. Não faço idéia de como decifrar um enigma que pode nem mesmo existir. Continuo a olhar o corpo. Algumas pessoas caminham como se não houvesse nada no local. É a vida, que teima em enfrentar a morte.

A polícia chega.

Hoje tem estréia do Brasil na Copa. Ao voltar da magra vitória por 1 a 0, passo pelo local. Há velas e flores. Faço o sinal da cruz e lembro que vivo. Ou o contrário. Essa tal de Copa me faz esquecer obviedades. E a vida se encarrega de me lembrar.
Vivo.


As crentes

Preguiça. Hoje verei o jogo na casa do Thiago. Estou cansado de ir ao telão. Paro no ponto do metrô de rua e ouço minha língua. Penso que o maior choque ao voltar ao Brasil será ouvir pessoas falando português ao meu lado.

- Não caso com alguém sem Deus.
- Mas é tão bonito converter um namorado.
- Mas a pessoa precisa ter o chamado. Namorar alguém sem o chamado é impossível.
- Já namorei um cara que não estava com Deus. Mas ele me respeitava.
- A própria bíblia diz pra não se misturar.
- Mas ela está falando dos judeus, é outra história.
- É, mas pra mim tem que ter o chamado.

O assunto muda. Passam a falar da beleza dos alemães.
Entro no metrô. Em cinco minutos estou no destino. Desço acompanhado pelas brasileiras. Dirijo-me à primeira televisão para ver se o jogo começou. México e Angola 0 a 0.
- Você é brasileiro?
- Sim.
- Vimos seus traços. Então você ouviu tudo o que a gente falou?
- Sim.
- Ai, que vergonha.
- Vocês moram aqui?
- Não, somos missionárias. Viemos fazer um trabalho aqui na Copa.
- Que legal. Interesso-me bastante por religião. Que tipo de trabalho estão fazendo?
- Temos uma barraca nas margens do rio e atendemos as pessoas. Se der, passa lá pra visitar a gente.
- Claro.

A idéia de Deus me domina por instantes. Lembro-me que não fui à missa no último domingo. No próximo, tem jogo do Brasil com a Austrália.
Será que o México fez um gol?
E, assim, as idéias vão se transformando...


O humorista

Acordo. Desta vez sem barulhos. Ligar o computador é, como sempre, meu primeiro ato do dia. Ao procurar as últimas notícias da Copa, deparo-me com a Morte. Ou é a Vida? Meus pais são os primeiros a vir à mente. E a idéia de Deus volta. Mas por instantes.
Lembro-me de uma conversa que tive ainda quando criança. Meu irmão me dizia que o Bussunda era inteligente e entendia de política.
- Jura, Dan?
- Claro.

E o mundo mudou. Impressionante como o mundo da criança muda. A cada descoberta, uma nova pessoa surge. Novos parâmetros. Quando será que a gente perde esse magnífico poder?

A Morte desnuda a Vida.
A incompreensão volta.
Sinto Deus. E tudo o que eu queria era saber se o Ronaldo tinha treinado bem... [r]

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comentários:
sensível e emocionante.
 
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