9.2.07
aquecimento global 2: custos e sacrifícios pelo planeta...
por renato brandão
Deter o aquecimento global será um dos maiores desafios da humanidade nos próximos anos, e os resultados das negociações entre os atores globais vão demorar a aparecer. Diante das previsões preocupantes divulgadas na primeira parte do 4º relatório do IPCC (AR-4), são necessárias respostas rigorosas ao desafio posto, que impliquem em compromissos dos países na redução das emissões de derivados de combustíveis fósseis na atmosfera...
Um grupo de trabalho do IPCC está preparando um novo material, a ser divulgado entre abril e maio deste ano, contendo informações dos cientistas sobre como seria possível iniciar as reduções de gases que agravam o fenômeno do aquecimento global. É a chamada mitigação -palavra que se tornará cada vez mais comum e, basicamente, se refere a medidas para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa na baixa atmosfera...
O desafio das reduções
Mas os especialistas já têm idéia em quanto será preciso reduzir as emissões de derivados de combustíveis fósseis na atmosfera -para evitar o pior dos cenários previstos pelos cientistas, ou seja, um aumento de até 6,4ºC na temperatura média global. Será preciso um corte entre 50 a 65% das emissões de gases do efeito estufa. Isso mesmo! A humanidade terá de reduzir de 50 a 65% as emissões de CO2 e demais poluentes da atmosfera. Um desafio e tanto, ainda mais ao levarmos em conta o pouco caso dos países, nos últimos anos, para se fechar um acordo internacional sobre redução de emissões!...
"Se quisermos limitar o aquecimento a 2ºC, podemos jogar 'apenas' 750 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera neste século", afirmou Meinrat Andreae, climatologista alemã, ao jornal Folha de S.Paulo[1], um dia após a divulgação do novo relatório do IPCC. Segundo a climatologista, caso não façamos nada, emitiremos no fim do século até 1,4 trilhão de toneladas de CO2! Sem delongas, um cenário catastrófico para o planeta. "Não há um momento a partir do qual a coisa se torna impossível, mas ela fica mais difícil à medida que o tempo passa", alertou Andreae...
Em 2005, a revista Science já alertara[2] que nunca foram registradas, em 650 mil anos, concentrações tão elevadas de gás carbônico na atmosfera do que atualmente. Voltemos a este assunto quando for divulgado a segunda parte do relatório de 2007 do IPCC...
O preço da fatura
O primeiro informe do 4º IPCC deixou claro que ainda não é o "fim do mundo", mas se perdermos as oportunidades de mudarmos a partir de já, não haverá conserto para o planeta no futuro - a Terra se tornará um lugar inabitável, mesmo para o ser humano -espécime que se adapta com mais facilidade a variados ambientes. Com este quadro, alguns já começam a fazer as contas de uma mitigação pra valer...
O governo do trabalhista Tony Blair, premiê do Reino Unido, encomendou no ano passado um estudo[3] sobre os efeitos das mudanças climáticas na economia mundial nos próximos 50 anos. O trabalho fez a estimativa de quanto sairia esta brincadeira: 1% do PIB global atual -equivalente a US$ 350 bilhões-, mas se demorarmos muito, a conta subirá para US$ 1 trilhão...
O Relatório Stern (leva este nome por ter sido produzido pela equipe do também britânico Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial) prevê que o montante investido em mitigação para os próximos 10 a 20 anos evitaria a perda de 20% do PIB global por ano nos próximos dois séculos - caso nada seja feito para impedir que a temperatura da atmosfera suba mais 2ºC. Será que isto motivará as potencias globais a colocarem a questão ambiental como uma das prioridades de suas agendas?...
A equipe de Stern avaliou ainda que estes investimentos não vão limpar o ar poluído durante as últimas décadas (tampouco vão evitar os danos causados pelas emissões em excesso do CO2). A análise é de que a situação está ruim e vai piorar, mas podemos ainda evitar uma catástrofe...
No teatro das relações internacionais
Para além de custos, o grande drama na discussão sobre mitigação se dará no campo diplomático. Quantos sacrifícios os Estados-nação estarão dispostos a realizar em prol do planeta, sabendo-se que no campo das relações internacionais o choque de interesses da cada país neutraliza acordos de âmbito global? A questão ambiental é difícil de ser lidada justamente por ser um problema de esfera internacional que tem de ser transferido para o campo nacional...
Seria fundamental incrementar o Protocolo de Kyoto. O tratado teve o mérito de ter sido o primeiro acordo internacional para redução de gases do efeito estufa a vigorar no mundo - mesmo que não conte com a participação de dois grandes poluidores do planeta (Estados Unidos -o maior de todos!- e Austrália[4]). Sua importância era mais simbólica do que efetiva. Mas são necessárias metas mais agressivas para uma nova fase do protocolo, prevista para 2013, já que as do primeiro acordo eram muito modestas para causar algum impacto no ambiente -redução em 5% as emissões de CO2 dos países desenvolvidos[5] entre 2005 a 2012, algo em torno de 5 bilhões de toneladas do gás...
Os principais lances devem ser dados pelos atores de maior responsabilidade histórica. Ou seja, Estados Unidos, União Européia, Japão, Canadá, Rússia, Austrália - ainda hoje os maiores emissores de gases do efeito estufa no planeta...
"O dia em que o clima mudará e escapará de qualquer controle está próximo. Estamos no limite do irreversível(...) A crise ecológica não conhece fronteiras. Mesmo assim, nós ainda agimos frequentemente de uma maneira dispersa(...) Diante desta urgência, não de meias medidas. É o momento de uma revolução, no verdadeiro sentido do termo de nossas consciências, de nossa economia e nossa ação política" declarou[6] o presidente francês Jacques Chirac (do partido de centro-direita UMP), anfitrião da reunião do AR-4. Mas será que o sucessor de Chirac em 2008 - o centro-direitista Nicolas Sarkozy ou a centro-esquerdista Ségolène Royale- vai transformar palavras em ações?...
"Ricos" x "Pobres"
Outro embate se dará entre "Norte" e "Sul". Os países ricos vão cobrar mais das nações em desenvolvimento (ou subdesenvolvidas), especialmente sobre nações como China, Índia, Brasil e África do Sul, algum tipo de meta para redução de gases...
Cabe ressaltar novamente a responsabilidade dos países desenvolvidos na questão do aquecimento global. Os pobres, que historicamente emitiram CO2 na atmosfera em escala muito menor, serão muito mais afetados pelas mudanças climáticas do que os ricos. Aliás, uma das razões que explica o subdesenvolvimento dos pobres é justamente por estes terem emitido muito menos derivados de combustíveis fósseis, por não terem consumido energia o bastante para serem desenvolvidos!...
E se os ricos reclamam responsabilidades para pobres como Brasil, China e Índia, ora, não seria desejável que financiassem a mitigação? Com razão aparente, as nações em desenvolvimento vão alegar seu direito ao desenvolvimento (por que só os ricos tiveram oportunidades para se desenvolver e os demais não?)...
De qualquer modo, todos terão de ceder de alguma forma. Os cientistas do IPCC avaliaram que as oportunidades mais fáceis para reduzir as emissões virão dos países pobres[7]. Além do mais, no Protocolo de Kyoto, as nações "em desenvolvimento" não assumiram metas para reduzir suas emissões de CO2. Austrália e Estados Unidos não assinaram o acordo e são os que mais reclamam deste item, que beneficia grandes poluidores. A China, menina dos olhos da economia mundial há décadas, é o segundo maior emissor de poluentes do planeta -e, de acordo com especialistas será o maior a partir de 2009[8]. Mas a potência oriental sacrificará seu crescimento econômico, este sustentado pela queima de carvão (85% da energia gerada no país vem da queima deste tipo de combustível fóssil), que por sua vez acelera o degelo do Himalaia?...
Mudanças culturais
Embora praticamente ausente das discussões, um ponto sensível é como conciliar a salvação do palneta com o atual consumismo desenfreado, que incita a destruição do planeta. As pessoas comuns deixarão de lado certos hábitos, em um mundo cada vez mais marcado pelo individualismo e egoísmo? Será possível atacar o problema sem mexer nos padrões de consumo no mundo? Em um sistema no qual as disparidades sociais são aceitas (e as diferenças de classe são até estimuladas), sacrifícios para salvar a Terra seriam feitos?
Em um mundo marcado pelas disparidades sociais (que além de aceitas, são até estimuladas), não é diferente que camadas sociais distintas tenham responsabilidades distintas. Famílias pobres consomem infinitamente menos que as classes média e alta. Estas não devem ficar isentas de obrigações - nem aqui nem no resto do mundo.
Tema delicado, mas que para alguns já abraçam como solução a tecnologia. Mas é preciso muito mais que soluções tecnológicas para salvar a Terra. É preciso introjetar nos corações e mentes das pessoas a racionalização do uso da energia, a reciclagem e o estímilo à reutilização energética de resíduos.
Nossa responsabilidade coletiva é maior porque alguém terá de exercer pressão sobre os donos do poder global, para que as mudanças sejam feitas sem perda de tempo. Sem pressão do público, os políticos e as corporações[9] seriam impelidos a mudarem suas posturas com a rapidez exigida pelo quarto relatório do IPCC?...
Enquanto estas perguntas não têm respostas prontas, o autor apóia uma idéia, defendida por alguns especialistas, de que o Estado deve assumir o papel primordial na execução de políticas necessárias para diminuirmos o ritmo das mudanças do clima terrestre. Defendo o Estado como agente regulador - "palavrão" que costuma escandalizar defensores do livre mercado. É preciso ter regras bem claras sobre o que é o certo e o errado. Quem mais teria legitimidade para definir regras, senão os governos - representantes eleitos pela população? Além do mais, está na hora de taxar empresas que emitem derivados de combustíveis fósseis, em outras palavras, estas devem pagar os custos da poluição (ainda hoje gratuita!) do ar. E seria bom deixar bem claro para a população quem topa participar dos esforços globais para diminuição das emissões de CO2 -através de "selos de reduções", algo do tipo, concedidos pelos países a quem realmente está se comprometendo com a Terra...
O Estado deve também estimular a conscientização social sobre o meio ambiente, através de campanhas (afinal, se dependermos somente das pessoas comuns, vixe, no longo prazo estaremos todos mortos[10]), juntamente com políticas de financiamento de tecnologias para a população, por exemplo, barateando painéis solares para o aquecimento da água para o chuveiro. E ainda é responsabilidade do Estado investir em energias mais limpas e renováveis (eólica, biomassa, ondas do mar, entre outras) -como pede um relatório da organização não-governamental Greenpeace[11]...
Organizações ambientalistas como o Greenpeace Brasil e o WWF Brasil dão várias outras dicas para as pessoas, como:
*o uso racional de aquecedores, fogões e outros equipamentos que demandam a queima de gás natural ou derivados de combustíveis fósseis;
* desligar completamente aparelhos eletrônicos (stand by significa "ainda ligado!);
* uso de lâmpadas e eletrodomésticos "econômicos";
* averiguar a procedência da maderia que você consome (a Floresta Amazônica, entre outras, agradece - vai que você está consumindo madeira ilegal?!);
* o mesmo zelo para a carne que você consome (a pecuária é a principal causa do desflorestamento da Amazônia -com a derrubada da floresta e as conseqüentes queimadas para "limpar" as áreas destinadas ao pasto);
* deixar mais o carro na garagem e utilizar transporte coletivo (se ele for ruim, exija que ele seja melhor, afinal, os automóveis - cinco milhões só na cidade de São Paulo! – são responsável por toneladas de poluentes lançados diariamente na atmosfera. Bicicletas também são boas alternativas, e caronas bem-vindas);
* reciclar! -use produtos reciclados, reutilize outros...
Proibir grandes carros ou enormes caminhonetes pesadas de uso pessoal urbano com alto consumo de gasolina, incentivar o álcool nos carros "flex fuel" e estimular o uso do transporte coletivo.
É fundamental a conscientização da pessoas para o uso racional recursos energéticos (e também dos hídricos) do planeta. É a conscientização faz parte de um dever ético de reduzir o "nosso"[12] impacto -baseados no "nosso" padrão de consumo- no planeta. Algo que mantenha as esperanças de termos uma Terra ao menos habitável no futuro...
Enfim, idéias não faltam. O que falta mesmo é vontade política de todos nós. Até porque, durante a década de 1980, a questão do buraco na camada de ozônio conseguiu sensibilizar os poderosos do planeta e teve um relativo sucesso em sua resolução, embora sua recuperação demande décadas[13]...[r]
Notas
[1] Ver matéria da Folha de S.Paulo sobre mitigação do aquecimento global. Folha de S.Paulo, 3 de fevereiro de 2007.
[2] Ver revista Science 1 (em inglês) e 2 (em inglês) sobre análise feita por pesquisadores europeus de uma coluna de gelo de mais de 2 mil metros (onde ficaram presas amostras microscópicas do ar ao longo da história), tirada da Antártida, a qual provou que o nível atual do CO2 é de 380 partes por milhão, índice 27% mais alto que o outro pico do período. Science, 25 de novembro de 2005.
[3] Ver Relatório Stern (em inglês). Nicholas Stern, 30 de outubro de 2006.
[4] A Austrália, que não ratificou Kyoto, vai perder A Grande Barreira de Coral até 2030. A Barrier Reef (em inglês) contém a maior coleção de atóis de corais do mundo e foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1981. Os corais são tidos como "florestas marinhas", por serem essenciais no ecossistema marinho. Outra notícia relacionada ao clima é o anúncio do governo australiano de que a população do Estado de Queensland vai terá em breve de beber água contendo esgoto reciclado. Ver matérias 1 (em inglês) (sobre corais), 2 (em português) (sobre corais) e 3 (em português) (sobre água para consumo reciclada do esgoto). The Age, 30 de janeiro de 2007; Terra (ciência), 30 de janeiro de 2007; BBC Brasil, 29 de janeiro de 2007.
[5] O Protocolo de Kyoto dividiu os países em dois Anexos: um grupo de países (ao qual chamei "desenvolvidos", mas que são na realidade integrantes da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico e alguns países ex-comunistas da Europa) são os que possuem compromissos obrigatórios na redução de emissões de CO2; os demais países não tinham compromissos, ao menos para a primeira etapa do protocolo.
[6] Ver Reuters (1), Reuters (2) e France Presse, 02 de fevereiro de 2007.
[7] Em declaração à Folha de S.Paulo, Roberto Schaeffer, economista brasileiro que integra grupo de estudos do IPCC, explica que a "razão desse potencial, de maneira geral, é que a infra-estrutura desses países ainda não foi totalmente construída. Quem ainda está por fazer usinas e indústrias ainda tem a opção de escolher tecnologias mais limpas. Para quem já tem tudo instalado, fica mais difícil". Ver matéria do tópico [1].
[8] Ver matéria do relatório World Energy Outlook 2006, que aponta a China como maior poluidora do mundo em 2009. Folha Online, 8 de novembro de 2006.
[9] Começam a falar de "vantagens econômicas" para empresas, que viriam a lucrar por serem "comprometidas" com o meio ambiente e coisas do gênero. Ou ainda possíveis beneficiadas, como resseguradoras (as seguradoras das seguradoras) que, de acordo com alguns analistas, deverão enfrentar riscos financeiros de eventuais catástrofes climáticas.
[10] "No longo prazo, estaremos todos mortos" ("In the long run, we're all dead") é uma frase célebre do economista britânico John Maynard Keynes.
[11] Ver matéria e relatório do Greenpeace, respostas a divulgação da primeira parte do relatório do 4º IPCC. Greenpeace, 02 de fevereiro de 2007.
[12] O pronome foi usado propositalmente entre aspas, uma generalização necessária. Mas sabemos dos níveis distintos de consumo no mundo.
[13] Ver matéria sobre recuperação da camada de ozônio. Folha Online, 9 de outubro de 2003.
Leia também:
* quanto tempo ainda iremos perder?
Deter o aquecimento global será um dos maiores desafios da humanidade nos próximos anos, e os resultados das negociações entre os atores globais vão demorar a aparecer. Diante das previsões preocupantes divulgadas na primeira parte do 4º relatório do IPCC (AR-4), são necessárias respostas rigorosas ao desafio posto, que impliquem em compromissos dos países na redução das emissões de derivados de combustíveis fósseis na atmosfera...
Um grupo de trabalho do IPCC está preparando um novo material, a ser divulgado entre abril e maio deste ano, contendo informações dos cientistas sobre como seria possível iniciar as reduções de gases que agravam o fenômeno do aquecimento global. É a chamada mitigação -palavra que se tornará cada vez mais comum e, basicamente, se refere a medidas para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa na baixa atmosfera...
O desafio das reduções
Mas os especialistas já têm idéia em quanto será preciso reduzir as emissões de derivados de combustíveis fósseis na atmosfera -para evitar o pior dos cenários previstos pelos cientistas, ou seja, um aumento de até 6,4ºC na temperatura média global. Será preciso um corte entre 50 a 65% das emissões de gases do efeito estufa. Isso mesmo! A humanidade terá de reduzir de 50 a 65% as emissões de CO2 e demais poluentes da atmosfera. Um desafio e tanto, ainda mais ao levarmos em conta o pouco caso dos países, nos últimos anos, para se fechar um acordo internacional sobre redução de emissões!...
"Se quisermos limitar o aquecimento a 2ºC, podemos jogar 'apenas' 750 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera neste século", afirmou Meinrat Andreae, climatologista alemã, ao jornal Folha de S.Paulo[1], um dia após a divulgação do novo relatório do IPCC. Segundo a climatologista, caso não façamos nada, emitiremos no fim do século até 1,4 trilhão de toneladas de CO2! Sem delongas, um cenário catastrófico para o planeta. "Não há um momento a partir do qual a coisa se torna impossível, mas ela fica mais difícil à medida que o tempo passa", alertou Andreae...
Em 2005, a revista Science já alertara[2] que nunca foram registradas, em 650 mil anos, concentrações tão elevadas de gás carbônico na atmosfera do que atualmente. Voltemos a este assunto quando for divulgado a segunda parte do relatório de 2007 do IPCC...
O preço da fatura
O primeiro informe do 4º IPCC deixou claro que ainda não é o "fim do mundo", mas se perdermos as oportunidades de mudarmos a partir de já, não haverá conserto para o planeta no futuro - a Terra se tornará um lugar inabitável, mesmo para o ser humano -espécime que se adapta com mais facilidade a variados ambientes. Com este quadro, alguns já começam a fazer as contas de uma mitigação pra valer...
O governo do trabalhista Tony Blair, premiê do Reino Unido, encomendou no ano passado um estudo[3] sobre os efeitos das mudanças climáticas na economia mundial nos próximos 50 anos. O trabalho fez a estimativa de quanto sairia esta brincadeira: 1% do PIB global atual -equivalente a US$ 350 bilhões-, mas se demorarmos muito, a conta subirá para US$ 1 trilhão...
O Relatório Stern (leva este nome por ter sido produzido pela equipe do também britânico Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial) prevê que o montante investido em mitigação para os próximos 10 a 20 anos evitaria a perda de 20% do PIB global por ano nos próximos dois séculos - caso nada seja feito para impedir que a temperatura da atmosfera suba mais 2ºC. Será que isto motivará as potencias globais a colocarem a questão ambiental como uma das prioridades de suas agendas?...
A equipe de Stern avaliou ainda que estes investimentos não vão limpar o ar poluído durante as últimas décadas (tampouco vão evitar os danos causados pelas emissões em excesso do CO2). A análise é de que a situação está ruim e vai piorar, mas podemos ainda evitar uma catástrofe...
No teatro das relações internacionais
Para além de custos, o grande drama na discussão sobre mitigação se dará no campo diplomático. Quantos sacrifícios os Estados-nação estarão dispostos a realizar em prol do planeta, sabendo-se que no campo das relações internacionais o choque de interesses da cada país neutraliza acordos de âmbito global? A questão ambiental é difícil de ser lidada justamente por ser um problema de esfera internacional que tem de ser transferido para o campo nacional...
Seria fundamental incrementar o Protocolo de Kyoto. O tratado teve o mérito de ter sido o primeiro acordo internacional para redução de gases do efeito estufa a vigorar no mundo - mesmo que não conte com a participação de dois grandes poluidores do planeta (Estados Unidos -o maior de todos!- e Austrália[4]). Sua importância era mais simbólica do que efetiva. Mas são necessárias metas mais agressivas para uma nova fase do protocolo, prevista para 2013, já que as do primeiro acordo eram muito modestas para causar algum impacto no ambiente -redução em 5% as emissões de CO2 dos países desenvolvidos[5] entre 2005 a 2012, algo em torno de 5 bilhões de toneladas do gás...
Os principais lances devem ser dados pelos atores de maior responsabilidade histórica. Ou seja, Estados Unidos, União Européia, Japão, Canadá, Rússia, Austrália - ainda hoje os maiores emissores de gases do efeito estufa no planeta...
"O dia em que o clima mudará e escapará de qualquer controle está próximo. Estamos no limite do irreversível(...) A crise ecológica não conhece fronteiras. Mesmo assim, nós ainda agimos frequentemente de uma maneira dispersa(...) Diante desta urgência, não de meias medidas. É o momento de uma revolução, no verdadeiro sentido do termo de nossas consciências, de nossa economia e nossa ação política" declarou[6] o presidente francês Jacques Chirac (do partido de centro-direita UMP), anfitrião da reunião do AR-4. Mas será que o sucessor de Chirac em 2008 - o centro-direitista Nicolas Sarkozy ou a centro-esquerdista Ségolène Royale- vai transformar palavras em ações?...
"Ricos" x "Pobres"
Outro embate se dará entre "Norte" e "Sul". Os países ricos vão cobrar mais das nações em desenvolvimento (ou subdesenvolvidas), especialmente sobre nações como China, Índia, Brasil e África do Sul, algum tipo de meta para redução de gases...
Cabe ressaltar novamente a responsabilidade dos países desenvolvidos na questão do aquecimento global. Os pobres, que historicamente emitiram CO2 na atmosfera em escala muito menor, serão muito mais afetados pelas mudanças climáticas do que os ricos. Aliás, uma das razões que explica o subdesenvolvimento dos pobres é justamente por estes terem emitido muito menos derivados de combustíveis fósseis, por não terem consumido energia o bastante para serem desenvolvidos!...
E se os ricos reclamam responsabilidades para pobres como Brasil, China e Índia, ora, não seria desejável que financiassem a mitigação? Com razão aparente, as nações em desenvolvimento vão alegar seu direito ao desenvolvimento (por que só os ricos tiveram oportunidades para se desenvolver e os demais não?)...
De qualquer modo, todos terão de ceder de alguma forma. Os cientistas do IPCC avaliaram que as oportunidades mais fáceis para reduzir as emissões virão dos países pobres[7]. Além do mais, no Protocolo de Kyoto, as nações "em desenvolvimento" não assumiram metas para reduzir suas emissões de CO2. Austrália e Estados Unidos não assinaram o acordo e são os que mais reclamam deste item, que beneficia grandes poluidores. A China, menina dos olhos da economia mundial há décadas, é o segundo maior emissor de poluentes do planeta -e, de acordo com especialistas será o maior a partir de 2009[8]. Mas a potência oriental sacrificará seu crescimento econômico, este sustentado pela queima de carvão (85% da energia gerada no país vem da queima deste tipo de combustível fóssil), que por sua vez acelera o degelo do Himalaia?...
Mudanças culturais
Embora praticamente ausente das discussões, um ponto sensível é como conciliar a salvação do palneta com o atual consumismo desenfreado, que incita a destruição do planeta. As pessoas comuns deixarão de lado certos hábitos, em um mundo cada vez mais marcado pelo individualismo e egoísmo? Será possível atacar o problema sem mexer nos padrões de consumo no mundo? Em um sistema no qual as disparidades sociais são aceitas (e as diferenças de classe são até estimuladas), sacrifícios para salvar a Terra seriam feitos?
Em um mundo marcado pelas disparidades sociais (que além de aceitas, são até estimuladas), não é diferente que camadas sociais distintas tenham responsabilidades distintas. Famílias pobres consomem infinitamente menos que as classes média e alta. Estas não devem ficar isentas de obrigações - nem aqui nem no resto do mundo.
Tema delicado, mas que para alguns já abraçam como solução a tecnologia. Mas é preciso muito mais que soluções tecnológicas para salvar a Terra. É preciso introjetar nos corações e mentes das pessoas a racionalização do uso da energia, a reciclagem e o estímilo à reutilização energética de resíduos.
Nossa responsabilidade coletiva é maior porque alguém terá de exercer pressão sobre os donos do poder global, para que as mudanças sejam feitas sem perda de tempo. Sem pressão do público, os políticos e as corporações[9] seriam impelidos a mudarem suas posturas com a rapidez exigida pelo quarto relatório do IPCC?...
Enquanto estas perguntas não têm respostas prontas, o autor apóia uma idéia, defendida por alguns especialistas, de que o Estado deve assumir o papel primordial na execução de políticas necessárias para diminuirmos o ritmo das mudanças do clima terrestre. Defendo o Estado como agente regulador - "palavrão" que costuma escandalizar defensores do livre mercado. É preciso ter regras bem claras sobre o que é o certo e o errado. Quem mais teria legitimidade para definir regras, senão os governos - representantes eleitos pela população? Além do mais, está na hora de taxar empresas que emitem derivados de combustíveis fósseis, em outras palavras, estas devem pagar os custos da poluição (ainda hoje gratuita!) do ar. E seria bom deixar bem claro para a população quem topa participar dos esforços globais para diminuição das emissões de CO2 -através de "selos de reduções", algo do tipo, concedidos pelos países a quem realmente está se comprometendo com a Terra...
O Estado deve também estimular a conscientização social sobre o meio ambiente, através de campanhas (afinal, se dependermos somente das pessoas comuns, vixe, no longo prazo estaremos todos mortos[10]), juntamente com políticas de financiamento de tecnologias para a população, por exemplo, barateando painéis solares para o aquecimento da água para o chuveiro. E ainda é responsabilidade do Estado investir em energias mais limpas e renováveis (eólica, biomassa, ondas do mar, entre outras) -como pede um relatório da organização não-governamental Greenpeace[11]...
Organizações ambientalistas como o Greenpeace Brasil e o WWF Brasil dão várias outras dicas para as pessoas, como:
*o uso racional de aquecedores, fogões e outros equipamentos que demandam a queima de gás natural ou derivados de combustíveis fósseis;
* desligar completamente aparelhos eletrônicos (stand by significa "ainda ligado!);
* uso de lâmpadas e eletrodomésticos "econômicos";
* averiguar a procedência da maderia que você consome (a Floresta Amazônica, entre outras, agradece - vai que você está consumindo madeira ilegal?!);
* o mesmo zelo para a carne que você consome (a pecuária é a principal causa do desflorestamento da Amazônia -com a derrubada da floresta e as conseqüentes queimadas para "limpar" as áreas destinadas ao pasto);
* deixar mais o carro na garagem e utilizar transporte coletivo (se ele for ruim, exija que ele seja melhor, afinal, os automóveis - cinco milhões só na cidade de São Paulo! – são responsável por toneladas de poluentes lançados diariamente na atmosfera. Bicicletas também são boas alternativas, e caronas bem-vindas);
* reciclar! -use produtos reciclados, reutilize outros...
Proibir grandes carros ou enormes caminhonetes pesadas de uso pessoal urbano com alto consumo de gasolina, incentivar o álcool nos carros "flex fuel" e estimular o uso do transporte coletivo.
É fundamental a conscientização da pessoas para o uso racional recursos energéticos (e também dos hídricos) do planeta. É a conscientização faz parte de um dever ético de reduzir o "nosso"[12] impacto -baseados no "nosso" padrão de consumo- no planeta. Algo que mantenha as esperanças de termos uma Terra ao menos habitável no futuro...
Enfim, idéias não faltam. O que falta mesmo é vontade política de todos nós. Até porque, durante a década de 1980, a questão do buraco na camada de ozônio conseguiu sensibilizar os poderosos do planeta e teve um relativo sucesso em sua resolução, embora sua recuperação demande décadas[13]...[r]
Notas
[1] Ver matéria da Folha de S.Paulo sobre mitigação do aquecimento global. Folha de S.Paulo, 3 de fevereiro de 2007.
[2] Ver revista Science 1 (em inglês) e 2 (em inglês) sobre análise feita por pesquisadores europeus de uma coluna de gelo de mais de 2 mil metros (onde ficaram presas amostras microscópicas do ar ao longo da história), tirada da Antártida, a qual provou que o nível atual do CO2 é de 380 partes por milhão, índice 27% mais alto que o outro pico do período. Science, 25 de novembro de 2005.
[3] Ver Relatório Stern (em inglês). Nicholas Stern, 30 de outubro de 2006.
[4] A Austrália, que não ratificou Kyoto, vai perder A Grande Barreira de Coral até 2030. A Barrier Reef (em inglês) contém a maior coleção de atóis de corais do mundo e foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1981. Os corais são tidos como "florestas marinhas", por serem essenciais no ecossistema marinho. Outra notícia relacionada ao clima é o anúncio do governo australiano de que a população do Estado de Queensland vai terá em breve de beber água contendo esgoto reciclado. Ver matérias 1 (em inglês) (sobre corais), 2 (em português) (sobre corais) e 3 (em português) (sobre água para consumo reciclada do esgoto). The Age, 30 de janeiro de 2007; Terra (ciência), 30 de janeiro de 2007; BBC Brasil, 29 de janeiro de 2007.
[5] O Protocolo de Kyoto dividiu os países em dois Anexos: um grupo de países (ao qual chamei "desenvolvidos", mas que são na realidade integrantes da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico e alguns países ex-comunistas da Europa) são os que possuem compromissos obrigatórios na redução de emissões de CO2; os demais países não tinham compromissos, ao menos para a primeira etapa do protocolo.
[6] Ver Reuters (1), Reuters (2) e France Presse, 02 de fevereiro de 2007.
[7] Em declaração à Folha de S.Paulo, Roberto Schaeffer, economista brasileiro que integra grupo de estudos do IPCC, explica que a "razão desse potencial, de maneira geral, é que a infra-estrutura desses países ainda não foi totalmente construída. Quem ainda está por fazer usinas e indústrias ainda tem a opção de escolher tecnologias mais limpas. Para quem já tem tudo instalado, fica mais difícil". Ver matéria do tópico [1].
[8] Ver matéria do relatório World Energy Outlook 2006, que aponta a China como maior poluidora do mundo em 2009. Folha Online, 8 de novembro de 2006.
[9] Começam a falar de "vantagens econômicas" para empresas, que viriam a lucrar por serem "comprometidas" com o meio ambiente e coisas do gênero. Ou ainda possíveis beneficiadas, como resseguradoras (as seguradoras das seguradoras) que, de acordo com alguns analistas, deverão enfrentar riscos financeiros de eventuais catástrofes climáticas.
[10] "No longo prazo, estaremos todos mortos" ("In the long run, we're all dead") é uma frase célebre do economista britânico John Maynard Keynes.
[11] Ver matéria e relatório do Greenpeace, respostas a divulgação da primeira parte do relatório do 4º IPCC. Greenpeace, 02 de fevereiro de 2007.
[12] O pronome foi usado propositalmente entre aspas, uma generalização necessária. Mas sabemos dos níveis distintos de consumo no mundo.
[13] Ver matéria sobre recuperação da camada de ozônio. Folha Online, 9 de outubro de 2003.
Leia também:
* quanto tempo ainda iremos perder?
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