29.6.08
sinal fechado
por marcos angelim
Acordou. Penetrando pelas frestas da parede de tijolo baiano, o sol veio desafiá-lo, carregá-lo pra vida – à força. Olhou pro lado: o fino colchão do irmão ainda estava no chão, mas frio. É que o baixinho sai cedo com a caixa de engraxate. Não vou dizer que pensou – o pensamento não é o seu forte; a mãe sempre diz que é burro demais, que só faz cagada, que é um traste. Prefiro dizer que sentiu aquela mistura de medo, raiva, descrença, imersa no torpor necessário para o enfrentamento. Levantou e comeu pão de ontem com margarina; não tinha leite. Inverteu a ordem que você provavelmente segue: lavou o rosto no tanque, tirou a remela do canto dos olhos, não escovou os dentes; pôs o boné, pegou o rodinho, o frasco com água e detergente e saiu.
Que sorte morar ali! – Bem do lado do viaduto, a poucos passos da avenida, apesar de espremido entre a linha do trem e o supermercado. A comunidade (nesse país o eufemismo tem quase adesão nacional) parece mais uma tripa. Pode ser vista de cima do viaduto, mas só pelos que ainda têm olhos. Periferia de São Paulo, confins da zl. Passa muito carro, gente que até tem grana, mas que – talvez por isso – não enxerga. Não interessa se é nos Jardins ou no Itaim (Paulista), no vectra, no eco sport ou no gol – fecha-se o vidro, ignora-se, nega-se. É isso o que mais o fere e avilta. Suporta, contudo, sem deixar de ser simpático, cordial e compreensivo com as negativas, as desculpas e até com os xingamentos...
- Bom dia, senhora! Vô dá uma limpada legal aí. Qualquer moedinha ajuda: dez centavos...
E é de trocados que vive (o bolsa-família só não dá). Tiraria mais se a concorrência não fosse tão grande. É muito carro, mas muita gente de rodinho na mão, sem falar dos ambulantes. O motorista fica puto. Muitas vezes, no fim do dia, era melhor nem ter levantado. “Tem dia de não tirar nem 5 conto!”. O problema é esse: muito vendedor e limpador no sinal.
Isso é também o que a aborrece diariamente. “Saio cedo pra caramba, pego mó trânsito já aqui no Itaim, e ainda tem esses caras pra encher o saco!” – protesto matinal recorrente da publicitária, que demora horas até o escritório na Alameda Santos. Várias vezes lhe quebraram o pára-brisa. Mas em Sampa não tem jeito, ninguém escapa, exceto gente como ele, que não tem carro e quebra – sem querer, claro, pois tem de limpar rápido, antes do sinal abrir – o pára-brisa do carro dos outros.
É sempre igual. Os dois levantam pra se encontrar. Só que ele pra limpar, pedir, dizer bom dia; ela, pra desprezar, bufar, negar. Insuportável. Mas que fazer? Ela se recusa a ir de ônibus e metrô pro trabalho. “Gasto mais, podia ser até mais rápido... Mas é muito cheio, ia chegar toda amassada... Mil vezes de carro, é mais confortável”, justifica. Ele não vê alternativa. É que o ódio cega e começa a transbordar: “Filha da puta! Nem olha na nossa cara! Vaca do caralho!”
Não, não vai ser mais assim porque hoje algo mudou. Ele despertou com o sol na cara, mas não comeu nada nem lavou o rosto; pôs outra bombeta e, em vez do rodinho e do detergente, pegou a PT, colocou na cintura embaixo da camiseta e foi pro sinal. Ela já está na rua. Se estressa só de imaginar a terça-feira: “Trânsito parado, ambulantes e aqueles moleques!...”
Ele está lá agora, à espera, nervoso, enquanto ela se aproxima do sinal – fechando pros dois. [r]
Acordou. Penetrando pelas frestas da parede de tijolo baiano, o sol veio desafiá-lo, carregá-lo pra vida – à força. Olhou pro lado: o fino colchão do irmão ainda estava no chão, mas frio. É que o baixinho sai cedo com a caixa de engraxate. Não vou dizer que pensou – o pensamento não é o seu forte; a mãe sempre diz que é burro demais, que só faz cagada, que é um traste. Prefiro dizer que sentiu aquela mistura de medo, raiva, descrença, imersa no torpor necessário para o enfrentamento. Levantou e comeu pão de ontem com margarina; não tinha leite. Inverteu a ordem que você provavelmente segue: lavou o rosto no tanque, tirou a remela do canto dos olhos, não escovou os dentes; pôs o boné, pegou o rodinho, o frasco com água e detergente e saiu.
Que sorte morar ali! – Bem do lado do viaduto, a poucos passos da avenida, apesar de espremido entre a linha do trem e o supermercado. A comunidade (nesse país o eufemismo tem quase adesão nacional) parece mais uma tripa. Pode ser vista de cima do viaduto, mas só pelos que ainda têm olhos. Periferia de São Paulo, confins da zl. Passa muito carro, gente que até tem grana, mas que – talvez por isso – não enxerga. Não interessa se é nos Jardins ou no Itaim (Paulista), no vectra, no eco sport ou no gol – fecha-se o vidro, ignora-se, nega-se. É isso o que mais o fere e avilta. Suporta, contudo, sem deixar de ser simpático, cordial e compreensivo com as negativas, as desculpas e até com os xingamentos...
- Bom dia, senhora! Vô dá uma limpada legal aí. Qualquer moedinha ajuda: dez centavos...
E é de trocados que vive (o bolsa-família só não dá). Tiraria mais se a concorrência não fosse tão grande. É muito carro, mas muita gente de rodinho na mão, sem falar dos ambulantes. O motorista fica puto. Muitas vezes, no fim do dia, era melhor nem ter levantado. “Tem dia de não tirar nem 5 conto!”. O problema é esse: muito vendedor e limpador no sinal.
Isso é também o que a aborrece diariamente. “Saio cedo pra caramba, pego mó trânsito já aqui no Itaim, e ainda tem esses caras pra encher o saco!” – protesto matinal recorrente da publicitária, que demora horas até o escritório na Alameda Santos. Várias vezes lhe quebraram o pára-brisa. Mas em Sampa não tem jeito, ninguém escapa, exceto gente como ele, que não tem carro e quebra – sem querer, claro, pois tem de limpar rápido, antes do sinal abrir – o pára-brisa do carro dos outros.
É sempre igual. Os dois levantam pra se encontrar. Só que ele pra limpar, pedir, dizer bom dia; ela, pra desprezar, bufar, negar. Insuportável. Mas que fazer? Ela se recusa a ir de ônibus e metrô pro trabalho. “Gasto mais, podia ser até mais rápido... Mas é muito cheio, ia chegar toda amassada... Mil vezes de carro, é mais confortável”, justifica. Ele não vê alternativa. É que o ódio cega e começa a transbordar: “Filha da puta! Nem olha na nossa cara! Vaca do caralho!”
Não, não vai ser mais assim porque hoje algo mudou. Ele despertou com o sol na cara, mas não comeu nada nem lavou o rosto; pôs outra bombeta e, em vez do rodinho e do detergente, pegou a PT, colocou na cintura embaixo da camiseta e foi pro sinal. Ela já está na rua. Se estressa só de imaginar a terça-feira: “Trânsito parado, ambulantes e aqueles moleques!...”
Ele está lá agora, à espera, nervoso, enquanto ela se aproxima do sinal – fechando pros dois. [r]
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3.9.07
viagem ao brasil de lá, parte 4
por fábio brandt
Chegamos na Base Aérea do Aeroporto de Guarulhos por volta das sete horas. Aguardamos a chegada do avião que nos levaria a Manaus até as nove, porque ele saiu de sua base, em Brasília, naquela mesma manhã.
Estávamos todos ansiosos. No ônibus que nos levou ao aeroporto ninguém cochilou. Foram conversas, piadas, comentários sobre a Amazônia. Até cantamos algumas músicas. Sem participar da nossa farra, os militares se habituavam a nossa presença: estavam no veículo um sargento, que não viajou conosco, e o tenente-coronel Douglas, um dos responsáveis pelo Centro de Comunicação Social do Exército, que organizou a viagem e nos “guiou” no Amazonas.
A chegada do avião coloca fim a espera ansiosa. É o VC-97, o mais moderno turboélice fabricado no Brasil, segundo a fabricante Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.). Apelidado de Brasília, o avião é, usualmente, utilizado pela FAB para transportar comitivas de autoridades (o roteiro que fizemos na Amazônia é, usualmente, oferecido a deputados e senadores).
Quase duas horas depois, paramos na cidade de Brasília para reabastecer. Foi a primeira vez que pisei na capital brasileira. As novidades explodiam por todos os lados. Junto com o Luiz Prado, que também estuda na ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), dei uma volta pela Base Aérea de Brasília, que funciona junto ao Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek e foi inaugurada em 3 de dezembro de 1963 – quatro meses antes do golpe que derrubaria João Goulart e colocaria o alto escalão das as Forças Armadas no comando do poder executivo brasileiro.
O fato de circularem apenas militares pelo local, talvez faça com que a vigilância não seja acirrada. Aproveitamos a deixa para entrar num hangar, onde estavam alguns aviões desmontados ou em conserto. Mesmo com carta branca para fotografar o que quiséssemos, como assegurara o coronel Douglas, sentíamos que era necessário agir rápido.
Enquanto eu tirava da mochila a Yashica manual e procurava as pilhas para colocar no flash, um oficial nos expulsou do lugar.
– Com quem vocês estão?
– Tenente-coronel Douglas.
– Não há autorização para fotografar aqui, podem olhar, mas sem tirar fotos.
Atravessamos o Hangar e, para nossa surpresa, saímos, novamente, na pista de decolagem. Bastava um simples raciocínio para entender que sairíamos ali, mas estávamos, realmente, deslumbrados com o que víamos e com o fato de estarmos pisando, livremente, naquela área militar. Ali, na pista – ou seja, fora do Hangar - fui fotografar, sem o flash tão trabalhoso de fazer funcionar.
– Ow! Pode parar. Não pode tirar foto aqui.
Dessa vez era um jovem militar, não um oficial como nosso primeiro interlocutor. Respondemos que não sabíamos da restrição (pela segunda vez) e voltamos à sala de aguardar o avião. Dissemos ao coronel Douglas sobre a proibição, lembrando-o de sua promessa de poder fotografar tudo.
– Nem tudo... Há coisas sigilosas.
Não discutimos. Dirigimo-nos a outro Hangar, menor que o primeiro, mas também com aviões desmontados ou em construção. Ali, um oficial nos viu preparando a máquina fotográfica. Deu bom dia e, simpaticamente, ofereceu-se para explicar o trabalho que realizavam ali. “Manutenção das aeronaves”. Designou um soldado para nos acompanhar enquanto fotografávamos.
Após quase duas horas, estava na hora de voltar ao avião, já abastecido. Em Alta Floresta, cidade do norte do Mato Grosso, quase fronteira com o Pará, realizamos nova parada para abastecer. Ali, a base aérea não funciona em um aeroporto. Entre imensas fazendas, ela é apenas ela.
Não houve tanto tempo, como em Brasília, para andarmos pelos arredores. Mesmo que houvesse, duas horas não seriam suficientes para vermos mais que casas espaçadamente distribuídas ao longo de imensas ruas de terra, perdidas entre árvores e distantes de tudo o que podemos associar aos chamados “centros urbanos”, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e, até mesmo – só que em menor grau, como pude concluir nessa viagem – Manaus.
Como fazemos com aquelas cochiladas que nos levam a algum mundo estranho em horário de ficar acordado, abandonamos Alta Floresta como quem continua curioso para saber qual rumo a narrativa do sonho seguirá. Duas horas depois, lá pelas oito da noite, sentíamos o tapa na cara com que Manaus recebia nossa comitiva: trata-se da temperatura de 40º, quase o dobro da que estamos acostumados em São Paulo. [r]
Estávamos todos ansiosos. No ônibus que nos levou ao aeroporto ninguém cochilou. Foram conversas, piadas, comentários sobre a Amazônia. Até cantamos algumas músicas. Sem participar da nossa farra, os militares se habituavam a nossa presença: estavam no veículo um sargento, que não viajou conosco, e o tenente-coronel Douglas, um dos responsáveis pelo Centro de Comunicação Social do Exército, que organizou a viagem e nos “guiou” no Amazonas.
A chegada do avião coloca fim a espera ansiosa. É o VC-97, o mais moderno turboélice fabricado no Brasil, segundo a fabricante Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.). Apelidado de Brasília, o avião é, usualmente, utilizado pela FAB para transportar comitivas de autoridades (o roteiro que fizemos na Amazônia é, usualmente, oferecido a deputados e senadores).
Quase duas horas depois, paramos na cidade de Brasília para reabastecer. Foi a primeira vez que pisei na capital brasileira. As novidades explodiam por todos os lados. Junto com o Luiz Prado, que também estuda na ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), dei uma volta pela Base Aérea de Brasília, que funciona junto ao Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek e foi inaugurada em 3 de dezembro de 1963 – quatro meses antes do golpe que derrubaria João Goulart e colocaria o alto escalão das as Forças Armadas no comando do poder executivo brasileiro.
O fato de circularem apenas militares pelo local, talvez faça com que a vigilância não seja acirrada. Aproveitamos a deixa para entrar num hangar, onde estavam alguns aviões desmontados ou em conserto. Mesmo com carta branca para fotografar o que quiséssemos, como assegurara o coronel Douglas, sentíamos que era necessário agir rápido.
Enquanto eu tirava da mochila a Yashica manual e procurava as pilhas para colocar no flash, um oficial nos expulsou do lugar.
– Com quem vocês estão?
– Tenente-coronel Douglas.
– Não há autorização para fotografar aqui, podem olhar, mas sem tirar fotos.
Atravessamos o Hangar e, para nossa surpresa, saímos, novamente, na pista de decolagem. Bastava um simples raciocínio para entender que sairíamos ali, mas estávamos, realmente, deslumbrados com o que víamos e com o fato de estarmos pisando, livremente, naquela área militar. Ali, na pista – ou seja, fora do Hangar - fui fotografar, sem o flash tão trabalhoso de fazer funcionar.
– Ow! Pode parar. Não pode tirar foto aqui.
Dessa vez era um jovem militar, não um oficial como nosso primeiro interlocutor. Respondemos que não sabíamos da restrição (pela segunda vez) e voltamos à sala de aguardar o avião. Dissemos ao coronel Douglas sobre a proibição, lembrando-o de sua promessa de poder fotografar tudo.
– Nem tudo... Há coisas sigilosas.
Não discutimos. Dirigimo-nos a outro Hangar, menor que o primeiro, mas também com aviões desmontados ou em construção. Ali, um oficial nos viu preparando a máquina fotográfica. Deu bom dia e, simpaticamente, ofereceu-se para explicar o trabalho que realizavam ali. “Manutenção das aeronaves”. Designou um soldado para nos acompanhar enquanto fotografávamos.
Após quase duas horas, estava na hora de voltar ao avião, já abastecido. Em Alta Floresta, cidade do norte do Mato Grosso, quase fronteira com o Pará, realizamos nova parada para abastecer. Ali, a base aérea não funciona em um aeroporto. Entre imensas fazendas, ela é apenas ela.
Não houve tanto tempo, como em Brasília, para andarmos pelos arredores. Mesmo que houvesse, duas horas não seriam suficientes para vermos mais que casas espaçadamente distribuídas ao longo de imensas ruas de terra, perdidas entre árvores e distantes de tudo o que podemos associar aos chamados “centros urbanos”, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e, até mesmo – só que em menor grau, como pude concluir nessa viagem – Manaus.
Como fazemos com aquelas cochiladas que nos levam a algum mundo estranho em horário de ficar acordado, abandonamos Alta Floresta como quem continua curioso para saber qual rumo a narrativa do sonho seguirá. Duas horas depois, lá pelas oito da noite, sentíamos o tapa na cara com que Manaus recebia nossa comitiva: trata-se da temperatura de 40º, quase o dobro da que estamos acostumados em São Paulo. [r]
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29.8.07
viagem ao brasil de lá, parte 3
por fábio brandt
Estava escuro, não havia luz o suficiente para destacar a diversidade de cores daquela paisagem. Ser ou não madrugada depende do ponto de vista de quem acabou de acordar. Para quem dormiu razoável quantidade de horas e prolonga o sono ao máximo (trocando café da manhã e o banho matinal por mais tempo na cama), estar ali, àquela hora, trataria-se, apenas, de grande esforço. Para quem dorme após passar as primeiras horas do dia em frente a uma tela de computador, seria, de fato, madrugada.
Meu caso une as duas situações. Há alguns meses, sentia a necessidade de dormir pouco e só deitar muito tarde (ou cedo, quase de manhã). Naquela manhã, acumulava 13 horas de sono em três dias. Mesmo assim, a briga com as cobertas não fora violenta, como de costume. O despertador tocou às cinco e meia. Vinte minutos depois, estava pronto – jeans, camiseta, jaqueta, tênis. Geralmente, o alarme soa às sete e meia e só levanto duas horas depois. Havia ansiedade naquela atitude.
Chegara o dia de ir à Amazônia. Não era uma viagem pela qual eu aguardava há muito tempo. Nem havia muito planejamento por trás dela. Soubera que viajaria apenas seis dias antes da data de partida.
Com uma mochila nas costas e uma mala na mão, sai da estação República do metrô – logo atrás do prédio da Escola Caetano de Campos (atual secretaria estadual de educação). Dirigi-me à Rua Rego Freitas, na Oboré. Ali, os anfitriões da viagem, oficiais do exército, já aguardavam seus convidados: estudantes e profissionais da comunicação.
O ônibus militar, verde, estava em frente ao prédio da Oboré. Com ele, dirigimo-nos à Base Aérea São Paulo, no Aeroporto Internacional de Guarulhos – município que faz fronteira com São Paulo à leste. Antes de chegar em Manaus, conheceríamos as bases aéreas de Brasília – no aeroporto Juscelino Kubitschek – e de Alta Floresta, no norte do Mato Grosso. [r]
Meu caso une as duas situações. Há alguns meses, sentia a necessidade de dormir pouco e só deitar muito tarde (ou cedo, quase de manhã). Naquela manhã, acumulava 13 horas de sono em três dias. Mesmo assim, a briga com as cobertas não fora violenta, como de costume. O despertador tocou às cinco e meia. Vinte minutos depois, estava pronto – jeans, camiseta, jaqueta, tênis. Geralmente, o alarme soa às sete e meia e só levanto duas horas depois. Havia ansiedade naquela atitude.
Chegara o dia de ir à Amazônia. Não era uma viagem pela qual eu aguardava há muito tempo. Nem havia muito planejamento por trás dela. Soubera que viajaria apenas seis dias antes da data de partida.
Com uma mochila nas costas e uma mala na mão, sai da estação República do metrô – logo atrás do prédio da Escola Caetano de Campos (atual secretaria estadual de educação). Dirigi-me à Rua Rego Freitas, na Oboré. Ali, os anfitriões da viagem, oficiais do exército, já aguardavam seus convidados: estudantes e profissionais da comunicação.
O ônibus militar, verde, estava em frente ao prédio da Oboré. Com ele, dirigimo-nos à Base Aérea São Paulo, no Aeroporto Internacional de Guarulhos – município que faz fronteira com São Paulo à leste. Antes de chegar em Manaus, conheceríamos as bases aéreas de Brasília – no aeroporto Juscelino Kubitschek – e de Alta Floresta, no norte do Mato Grosso. [r]
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24.8.07
viagem ao brasil de lá, parte 2
por fábio brandt
Na imensa área do Comando Militar da Amazônia (42% do território nacional), os militares executam atividades variadas: cumprem função de polícia, autorizados por lei; trocam tiros com traficantes e contrabandistas; oferecem atendimento médico à população; provocam o surgimento de escolas infantis e até participam da realização de eleições.
“O soldado, quase sempre, é a única esperança nessa imensidão verde”. Essa frase do vídeo institucional que foi repetido bem umas cinco vezes durante a viagem tem a intensidade reforçada pelo trabalho dos relações públicas do exército. No entanto, não difere muito da realidade. O problema: nem todos têm acesso à essa quase única esperança.
Isso ficou claro em nossa passagem por São Gabriel da Cachoeira, a 852 km de Manaus. Compõem a paisagem da cidade casas precárias, muitas sobre córregos. Quase não há tratamento de água. Uma realidade compartilhada pela maior parte das cidades da região norte, segundo apontam dados do IBGE: dos 896mil m³ diários de água distribuídos no Amazonas, 607mil m³ são tratados (90% vai para Manaus).
Apesar de precária, São Gabriel é “centro urbano” na região da “Cabeça do Cachorro” (extremo noroeste do Brasil, na fronteira com Colômbia e Venezuela). O Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira, único da cidade, atrai populações de muitos municípios – distantes dias ou semanas em viagens de barco, única forma acessível de chegar ao local para a maior parte das pessoas.
No alto do Bairro Dabaru, no centro do encontro de algumas ruas, o Hospital se destaca na paisagem. Mais pela localização que pela aparência: inaugurado em 1995, apenas recentemente o Hospital passou por uma reforma, ganhando parte de suas instalações em alvenaria.
O diretor do Hospital, Major Médico João da Silva Couto Lima, é quem apresenta as instalações do local: 65 leitos, duas salas de cirurgia e duas unidades semi-intensivas. “Não temos UTI”.
Dentro das salas, as macas ocupadas por pacientes suportam mais do que sofrimento pela moléstia ou alegria pela recuperação. Deitada na maca, com o neto de menos de três meses no colo, a avó conta que foram três semanas de barco para chegar ao Hospital. Couto aponta que as principais ocorrências atendidas são: doenças tropicais, picadas de cobra e acidentes com armas brancas. “O pessoal bebe e aí já viu...”.
O governo federal inaugurou a obra em 1990, diz o diretor, mas o atendimento à população começou apenas em 1995, após o exército enviar médicos-militares para trabalhar nele. “O governo não alocou recursos humanos para faze-lo funcionar. Chegamos e fizemos parceria com o Governo do Amazonas e a prefeitura da cidade para cobrir despesas”.
Couto destaca a insuficiência de recursos do Hospital, verificada com a limitação do corpo médico e apoio logístico do hospital. “Não podemos buscar todas as pessoas que precisam”. As formas de transporte ao Hospital são: aviões da FAB, embarcações do exército e, principalmente, barcos particulares (em viagens que duram dias e até semanas), porque nem todos têm acesso a meios de comunicação. “Precisamos de mais recursos para atender melhor e poder buscar mais pessoas”, afirma Major Couto.
Ele fala sobre a importância do serviço obrigatório, apresentando alguns médicos jovens que trabalham no Hospital de São Gabriel. Recém formados, eles vêm do sul do país: Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro. “Não fosse o serviço obrigatório, não teríamos nem esse pouco pessoal”. Major Couto explica que, quem precisa se alistar e já está na faculdade, pode pedir para se apresentar às forças armadas após o término do curso. “O que não significa que vai servir. Hoje em dia, praticamente só serve quem quer”. A maior parte do contingente incorporado por esse sistema, em todo o país, é de ex-estudantes de medicina, afirmaram diversos oficiais.
Pelas veias da floresta
A dificuldade de deslocamento é presente em toda a Amazônia. Mesmo a concentração populacional e industrial de Manaus não escondem essa realidade. Não longe da capital, a bacia do Amazonas já inviabiliza o transporte terrestre. Perante o alto custo do transporte aéreo, o fluvial desponta como solução. “Isso implica que há lugares em que só as Forças Armadas conseguem chegar para levar mantimentos e médicos”, disse o General Cerqueira, autoridade máxima do Comando Militar da Amazônia (CMA).
Na área do CMA (42% do Brasil) a realização de transporte (de carga e de pessoas) é feito na seguinte proporção: 86% pelo Centro de Embarcações do CMA (Cecma); 12% pela Força Aérea Brasileira (FAB) e 2% por diversos meios civis.
As funções do Cecma, segundo seu comandante, Coronel Fernando Paranhos, são: apoiar o treinamento das tropas na selva e patrulhar as águas do CMA. “O que envolve até troca de tiros com traficantes e contrabandistas”, diz. Mas, os 86% de transporte realizados pelo Cecma implicam fugas dessa rotina.
O Centro de Embarcações também transporta suprimentos alimentares e médicos para comunidades afastadas, em lugares de difícil acesso, onde apenas a estrutura militar consegue chegar, diz Paranhos. Outro exemplo de suporte à população é a participação do Cecma na realização de eleições: “Transportamos urnas até os eleitores e vice-versa”, conclui Paranhos.
Na cidade das nuvens
O transporte aéreo é muito mais rápido e eficiente. No entanto, custa caro. “A passagem de avião de São Gabreil da Cachoeira para Manaus custa entre R$550 e R$750”, afirmou o coronel Nevares – que recebeu nossa comitiva em São Gabriel. Para o cidadão comum, que precisa visitar familiares ou procurar tratamento médico em outras cidades – porque, na Cabeça do Cachorro, a escassez de serviços públicos predomina – fica muito difícil.
Convidados pelo Exército para conhecer seu trabalho na Amazônia, para nós as coisas são “um pouco” diferentes. Chegamos a Manaus num Brasília. Para São Gabriel voamos num Amazonas.
Tanto na ida, como na volta, dividimos o avião com nossos anfitriões do Cecomsex e civis: pessoas que precisavam de uma carona da FAB. Entre os grupos que nos acompanharam, alguns com traços indígenas, típicos da população amazonense. Outros, com aparência do Brasil de cá (São Paulo, Paris, Londres), eram parentes de militares.
“Sempre fazemos isso”, diz o Major Hardt – oficial do Serviço de Comunicação Social da Aeronáutica que nos acompanhou na viagem.
“Temos que dar todo apoio a população. Mas, nem sempre há assentos livres e os vôos não são diários”. Apesar da boa vontade demonstrada pelas forças armadas, o transporte de civis não está em suas obrigações, por isso se torna uma atividade muito informal, difícil de receber cobranças.
Também experimentamos dois helicópteros: o Black Hawk e o Cougar. Duas aeronavez para apoio de missões militares, tanto de guerra como de resgate. Para coloca-los no ar, os oficiais estimaram gasto de, aproximadamente, cinco mil dólares. [r]
“O soldado, quase sempre, é a única esperança nessa imensidão verde”. Essa frase do vídeo institucional que foi repetido bem umas cinco vezes durante a viagem tem a intensidade reforçada pelo trabalho dos relações públicas do exército. No entanto, não difere muito da realidade. O problema: nem todos têm acesso à essa quase única esperança.
Isso ficou claro em nossa passagem por São Gabriel da Cachoeira, a 852 km de Manaus. Compõem a paisagem da cidade casas precárias, muitas sobre córregos. Quase não há tratamento de água. Uma realidade compartilhada pela maior parte das cidades da região norte, segundo apontam dados do IBGE: dos 896mil m³ diários de água distribuídos no Amazonas, 607mil m³ são tratados (90% vai para Manaus).
Apesar de precária, São Gabriel é “centro urbano” na região da “Cabeça do Cachorro” (extremo noroeste do Brasil, na fronteira com Colômbia e Venezuela). O Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira, único da cidade, atrai populações de muitos municípios – distantes dias ou semanas em viagens de barco, única forma acessível de chegar ao local para a maior parte das pessoas.
No alto do Bairro Dabaru, no centro do encontro de algumas ruas, o Hospital se destaca na paisagem. Mais pela localização que pela aparência: inaugurado em 1995, apenas recentemente o Hospital passou por uma reforma, ganhando parte de suas instalações em alvenaria.
O diretor do Hospital, Major Médico João da Silva Couto Lima, é quem apresenta as instalações do local: 65 leitos, duas salas de cirurgia e duas unidades semi-intensivas. “Não temos UTI”.
Dentro das salas, as macas ocupadas por pacientes suportam mais do que sofrimento pela moléstia ou alegria pela recuperação. Deitada na maca, com o neto de menos de três meses no colo, a avó conta que foram três semanas de barco para chegar ao Hospital. Couto aponta que as principais ocorrências atendidas são: doenças tropicais, picadas de cobra e acidentes com armas brancas. “O pessoal bebe e aí já viu...”.
O governo federal inaugurou a obra em 1990, diz o diretor, mas o atendimento à população começou apenas em 1995, após o exército enviar médicos-militares para trabalhar nele. “O governo não alocou recursos humanos para faze-lo funcionar. Chegamos e fizemos parceria com o Governo do Amazonas e a prefeitura da cidade para cobrir despesas”.
Couto destaca a insuficiência de recursos do Hospital, verificada com a limitação do corpo médico e apoio logístico do hospital. “Não podemos buscar todas as pessoas que precisam”. As formas de transporte ao Hospital são: aviões da FAB, embarcações do exército e, principalmente, barcos particulares (em viagens que duram dias e até semanas), porque nem todos têm acesso a meios de comunicação. “Precisamos de mais recursos para atender melhor e poder buscar mais pessoas”, afirma Major Couto.
Ele fala sobre a importância do serviço obrigatório, apresentando alguns médicos jovens que trabalham no Hospital de São Gabriel. Recém formados, eles vêm do sul do país: Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro. “Não fosse o serviço obrigatório, não teríamos nem esse pouco pessoal”. Major Couto explica que, quem precisa se alistar e já está na faculdade, pode pedir para se apresentar às forças armadas após o término do curso. “O que não significa que vai servir. Hoje em dia, praticamente só serve quem quer”. A maior parte do contingente incorporado por esse sistema, em todo o país, é de ex-estudantes de medicina, afirmaram diversos oficiais.
Pelas veias da floresta
A dificuldade de deslocamento é presente em toda a Amazônia. Mesmo a concentração populacional e industrial de Manaus não escondem essa realidade. Não longe da capital, a bacia do Amazonas já inviabiliza o transporte terrestre. Perante o alto custo do transporte aéreo, o fluvial desponta como solução. “Isso implica que há lugares em que só as Forças Armadas conseguem chegar para levar mantimentos e médicos”, disse o General Cerqueira, autoridade máxima do Comando Militar da Amazônia (CMA).
Na área do CMA (42% do Brasil) a realização de transporte (de carga e de pessoas) é feito na seguinte proporção: 86% pelo Centro de Embarcações do CMA (Cecma); 12% pela Força Aérea Brasileira (FAB) e 2% por diversos meios civis.
As funções do Cecma, segundo seu comandante, Coronel Fernando Paranhos, são: apoiar o treinamento das tropas na selva e patrulhar as águas do CMA. “O que envolve até troca de tiros com traficantes e contrabandistas”, diz. Mas, os 86% de transporte realizados pelo Cecma implicam fugas dessa rotina.
O Centro de Embarcações também transporta suprimentos alimentares e médicos para comunidades afastadas, em lugares de difícil acesso, onde apenas a estrutura militar consegue chegar, diz Paranhos. Outro exemplo de suporte à população é a participação do Cecma na realização de eleições: “Transportamos urnas até os eleitores e vice-versa”, conclui Paranhos.
Na cidade das nuvens
O transporte aéreo é muito mais rápido e eficiente. No entanto, custa caro. “A passagem de avião de São Gabreil da Cachoeira para Manaus custa entre R$550 e R$750”, afirmou o coronel Nevares – que recebeu nossa comitiva em São Gabriel. Para o cidadão comum, que precisa visitar familiares ou procurar tratamento médico em outras cidades – porque, na Cabeça do Cachorro, a escassez de serviços públicos predomina – fica muito difícil.
Convidados pelo Exército para conhecer seu trabalho na Amazônia, para nós as coisas são “um pouco” diferentes. Chegamos a Manaus num Brasília. Para São Gabriel voamos num Amazonas.
Tanto na ida, como na volta, dividimos o avião com nossos anfitriões do Cecomsex e civis: pessoas que precisavam de uma carona da FAB. Entre os grupos que nos acompanharam, alguns com traços indígenas, típicos da população amazonense. Outros, com aparência do Brasil de cá (São Paulo, Paris, Londres), eram parentes de militares.
“Sempre fazemos isso”, diz o Major Hardt – oficial do Serviço de Comunicação Social da Aeronáutica que nos acompanhou na viagem.
“Temos que dar todo apoio a população. Mas, nem sempre há assentos livres e os vôos não são diários”. Apesar da boa vontade demonstrada pelas forças armadas, o transporte de civis não está em suas obrigações, por isso se torna uma atividade muito informal, difícil de receber cobranças.
Também experimentamos dois helicópteros: o Black Hawk e o Cougar. Duas aeronavez para apoio de missões militares, tanto de guerra como de resgate. Para coloca-los no ar, os oficiais estimaram gasto de, aproximadamente, cinco mil dólares. [r]
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19.8.07
viagem ao brasil de lá, parte 1
por fábio brandt
O reverso publica em partes os textos sobre a viagem de Fábio Brandt à Amazônia como integrante da comitiva de jornalistas e estudantes de jornalismo recebida pelo Exército Brasileiro no Comando Militar da Amazônia
A Amazônia tornou-se assunto de destaque em 2007. Foi tema da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – o encontro científico latino americano com maior número de participantes – e da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica – que escolhe um tema por ano para orientar investimentos em projetos. As freqüentes e crescentes queimadas que ocorrem na região também despertaram a atenção da opinião pública, após divulgação dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC).
O Governo federal, no entanto, não dá tanta atenção à região. Essa é a opinião do alto comando do Exército Brasileiro, explicitada pelo General Raimundo Nonato de Cerqueira Filho, comandante do CMA (Comando Militar da Amazônia). Com quatro estrelas no uniforme, Cerqueira ocupa o cargo máximo do exército brasileiro em tempos de paz (cinco estrelas só em tempos de guerra, quando há nomeação de marechais).
Entre as sete regiões militares do Brasil, o CMA é a prioritária. “Tem muita gente de olho na Amazônia. Precisamos protegê-la e conservá-la”, diz Cerqueira, afirmando que a maior ameaça à região é o vazio de poder deixado pelo Estado brasileiro. Segundo o general, a cobiça dos outros países se deve, principalmente, a dois motivos: localização estratégica (a floresta equatorial corta nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela) e riqueza natural (a parte brasileira da Amazônia concentra o maior número de espécies vivas, animais e vegetais, do mundo, além de 15% do total de água potável).
Dada a “ausência do Estado” na região norte, conta Cerqueira, o exército não executa apenas funções militares ali: oferece assistência médica à população (com médicos convocados pelo serviço militar obrigatório); apóia, com transporte fluvial e aéreo, a entrega de suprimentos alimentares e médicos em comunidades ribeirinhas; dá “caronas” de avião e barco a população (para muitos, esse é o único jeito de se deslocar até algum serviço público).
Outras conseqüências do abandono da região são a proliferação do narcotráfico, nas áreas de fronteira, e da destruição da natureza, principalmente com queimadas. O Exército tenta coibir isso, diz o general, mas o contingente de 25mil homens e a verba recebida pelo CMA é insuficiente para realizar um serviço cem por cento eficiente. “O CMA abrange 42% do território nacional, com 1.300 quilômetros de costa, 11mil quilômetros de fronteira. É complicado”. [r]
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9.6.07
clima no g8...
por renato brandão; fotos Encontro do G8
A divulgação de três relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPPC) neste ano, alertando para as conseqüências alarmantes do aquecimento global no planeta para as próximas décadas, não foi o bastante para sensiblizar as lideranças do G8 (Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Rússia) - os países ricos do globo e também os maiores poluentes, que se reuniram para a 33º cúpula do grupo, em Heiligendamm (Alemanha), nesta semana...
O encontro produziu pífios resultados - embora isso não cause surpresa: basta acompanhar o histórico dos últimos encontros do grupo. Uma vez mais, a imobilidade foi causada pelos vetos do governo dos Estados Unidos...
Em verdade, a cúpula foi um grande fracasso. A idéia defendida pela anfitriã do encontro e chanceler alemã Angela Merkel de fixar metas mais objetivas, como a de levar os oito países a aceitarem 2C como limite para o aumento da temperatura média no planeta e, conseqüentemente, estipularem um compromisso real em cortar pela metade emissões de gases do efeito estufa até 2050...
A culpa deste fiasco pode ser atribuída principalmente ao presidente estadunidense George Walker Bush - que no final de maio deste ano disse que iria reunir os Estados Unidos e outros 14 países responsáveis pela maior parte das emissões de carbono (entre os quais África do Sul, Brasil, China, Índia, México, ou o G5-emergente) para um acordo de longo prazo que estabeleça novas metas até o final de 2008 para o corte da emissão de gases que agravam o efeito estufa - e de sua equipe, notadamente James L. Connaughton, do Council on Environmental Quality (CEQ), o conselheiro para temas ambientais da Casa Branca...
A diplomacia de Washington pressionou para que se cravasse na declaração "Growth and Responsibility in the World Economy" (Crescimento e Responsabilidade na Economia Mundial), item 49, o termo goal [objetivo] em lugar de target [meta]: "In setting a global goal for emissions reductions in the process we have agreed today involving all major emitters, we will consider seriously the decisions made by the European Union, Canada and Japan which include at least a halving of global emissions by 2050 [Ao fixarmos um objetivo global para a redução de emissões no processo que nós acordamos hoje envolvendo todos os maiores emissores, nós consideraremos seriamente as decisões realizadas pela União Européia, pelo Canadá e pelo Japão, que incluem ao menos reduzir pela metade as emissões globais em 2050]"...
A disputa semântica não é por acaso. Objetivo é diferente de meta. A primeira transita pelo campo vago dos desejo de ver algo se realizar algum dia, enquanto a segunda determinaria a obrigatoriedade de tomar ações em um dado prazo. Em outras palavras, em lugar do concreto, o G8 optou pelo abstrato...
Além disso, o comprometimento de "reduzir pela metade as emissões globais em 2050" já estava previsto em um documento do próprio G8, produzido em sua cúpula dois anos atrás em Gleneagles (Escócia)...
Ainda que os itens 52 e 53 lançam propostas para que a Convenção do Clima chegue a um acordo global em 2009 para substituir o Protocolo de Kyoto - e que este inclua metas para África do Sul, Brasil, China, Índia e México, isso é muito pouco ambicioso para um ano repleto de más notícias para o futuro do meio ambiente...
Também decepcionante foi a declaração conjunta do G8 e seus cinco convidados - os mesmos África do Sul, Brasil, China, Índia, México. Por sinal, o governo brasileiro insiste retoricamente em imputar somente ao G8 a árdua tarefa de enfrentar os processos de mudanças climáticas e prefere fazer marquetagem verde, ao propor que se realize em 2012 uma nova reunião climática nos moldes da Eco-1992, a tal "Rio+20", ou ainda propagandear os "benefícios" do álcool brasileiro...
Está explícito nos princípios da Convenção sobre Mudança do Clima que todas as nações do mundo têm responsabilidades comuns na questão climática, embora de formas diferenciadas - até porque não é fato que a responsabilidade histórica das grandes potências é muito maior que a do resto do mundo. No entanto se sabe que é fundamental a presença desses cinco países para um plano sério de redução de emissões, até porque são grandes poluidores globais. A China, como foi noticiado neste ano, deve tomar o primeiro posto dos Estados Unidos como maior poluidor do planeta...
Há quem veja avanços no fato do G8 abrir espaço em sua agenda para o tema das mudanças climáticas - e como principal pauta de um encontro do grupo. Mas sem produzir resultados práticos na cúpula de Heiligendamm, ou seja, sem documentos que estabeleçam o cumprimento de metas obrigatório pelos países reunidos no encontro, é difícil de imaginar que o comprometimento dos países ricos não seja mais que retórica...
O grupo vai acabar perdendo apoio até de Bono Vox, marqueteiro líder da banda irlandesa U2, que começa a perceber quão é difícil o G8 agir concretamente nas atuais estruturas. O próprio vocalista tinha caído nas promessas vazias dos líderes do grupo sobre perdão da dívida externa africana, na cúpula de 2005. Bono, que esteve no encontro deste ano para conversar com a chanceler alemã e participar de um concerto do evento, fez críticas ao G8 e se mostrou "deprimido"...
Enquanto as negociações entre os principais jogadores do planeta seguem emperradas, o mundo caminha para sua sina apocalíptica. E as reuniõezinhas das lideranças globais, entre as quais uma organizada pela Organização das Nações Unidas, outra por Bush e uma, que se pretende mais séria, na Indonésia, com especialistas da ONU a debater novos detalhes para um eventual acordo internacional pós-Protocolo de Kyoto, a partir de 2012...[r]
A divulgação de três relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPPC) neste ano, alertando para as conseqüências alarmantes do aquecimento global no planeta para as próximas décadas, não foi o bastante para sensiblizar as lideranças do G8 (Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Rússia) - os países ricos do globo e também os maiores poluentes, que se reuniram para a 33º cúpula do grupo, em Heiligendamm (Alemanha), nesta semana...
O encontro produziu pífios resultados - embora isso não cause surpresa: basta acompanhar o histórico dos últimos encontros do grupo. Uma vez mais, a imobilidade foi causada pelos vetos do governo dos Estados Unidos...
Em verdade, a cúpula foi um grande fracasso. A idéia defendida pela anfitriã do encontro e chanceler alemã Angela Merkel de fixar metas mais objetivas, como a de levar os oito países a aceitarem 2C como limite para o aumento da temperatura média no planeta e, conseqüentemente, estipularem um compromisso real em cortar pela metade emissões de gases do efeito estufa até 2050...
A culpa deste fiasco pode ser atribuída principalmente ao presidente estadunidense George Walker Bush - que no final de maio deste ano disse que iria reunir os Estados Unidos e outros 14 países responsáveis pela maior parte das emissões de carbono (entre os quais África do Sul, Brasil, China, Índia, México, ou o G5-emergente) para um acordo de longo prazo que estabeleça novas metas até o final de 2008 para o corte da emissão de gases que agravam o efeito estufa - e de sua equipe, notadamente James L. Connaughton, do Council on Environmental Quality (CEQ), o conselheiro para temas ambientais da Casa Branca...
A diplomacia de Washington pressionou para que se cravasse na declaração "Growth and Responsibility in the World Economy" (Crescimento e Responsabilidade na Economia Mundial), item 49, o termo goal [objetivo] em lugar de target [meta]: "In setting a global goal for emissions reductions in the process we have agreed today involving all major emitters, we will consider seriously the decisions made by the European Union, Canada and Japan which include at least a halving of global emissions by 2050 [Ao fixarmos um objetivo global para a redução de emissões no processo que nós acordamos hoje envolvendo todos os maiores emissores, nós consideraremos seriamente as decisões realizadas pela União Européia, pelo Canadá e pelo Japão, que incluem ao menos reduzir pela metade as emissões globais em 2050]"...
A disputa semântica não é por acaso. Objetivo é diferente de meta. A primeira transita pelo campo vago dos desejo de ver algo se realizar algum dia, enquanto a segunda determinaria a obrigatoriedade de tomar ações em um dado prazo. Em outras palavras, em lugar do concreto, o G8 optou pelo abstrato...
Além disso, o comprometimento de "reduzir pela metade as emissões globais em 2050" já estava previsto em um documento do próprio G8, produzido em sua cúpula dois anos atrás em Gleneagles (Escócia)...
Ainda que os itens 52 e 53 lançam propostas para que a Convenção do Clima chegue a um acordo global em 2009 para substituir o Protocolo de Kyoto - e que este inclua metas para África do Sul, Brasil, China, Índia e México, isso é muito pouco ambicioso para um ano repleto de más notícias para o futuro do meio ambiente...
Também decepcionante foi a declaração conjunta do G8 e seus cinco convidados - os mesmos África do Sul, Brasil, China, Índia, México. Por sinal, o governo brasileiro insiste retoricamente em imputar somente ao G8 a árdua tarefa de enfrentar os processos de mudanças climáticas e prefere fazer marquetagem verde, ao propor que se realize em 2012 uma nova reunião climática nos moldes da Eco-1992, a tal "Rio+20", ou ainda propagandear os "benefícios" do álcool brasileiro...
Está explícito nos princípios da Convenção sobre Mudança do Clima que todas as nações do mundo têm responsabilidades comuns na questão climática, embora de formas diferenciadas - até porque não é fato que a responsabilidade histórica das grandes potências é muito maior que a do resto do mundo. No entanto se sabe que é fundamental a presença desses cinco países para um plano sério de redução de emissões, até porque são grandes poluidores globais. A China, como foi noticiado neste ano, deve tomar o primeiro posto dos Estados Unidos como maior poluidor do planeta...
Há quem veja avanços no fato do G8 abrir espaço em sua agenda para o tema das mudanças climáticas - e como principal pauta de um encontro do grupo. Mas sem produzir resultados práticos na cúpula de Heiligendamm, ou seja, sem documentos que estabeleçam o cumprimento de metas obrigatório pelos países reunidos no encontro, é difícil de imaginar que o comprometimento dos países ricos não seja mais que retórica...
O grupo vai acabar perdendo apoio até de Bono Vox, marqueteiro líder da banda irlandesa U2, que começa a perceber quão é difícil o G8 agir concretamente nas atuais estruturas. O próprio vocalista tinha caído nas promessas vazias dos líderes do grupo sobre perdão da dívida externa africana, na cúpula de 2005. Bono, que esteve no encontro deste ano para conversar com a chanceler alemã e participar de um concerto do evento, fez críticas ao G8 e se mostrou "deprimido"...
Enquanto as negociações entre os principais jogadores do planeta seguem emperradas, o mundo caminha para sua sina apocalíptica. E as reuniõezinhas das lideranças globais, entre as quais uma organizada pela Organização das Nações Unidas, outra por Bush e uma, que se pretende mais séria, na Indonésia, com especialistas da ONU a debater novos detalhes para um eventual acordo internacional pós-Protocolo de Kyoto, a partir de 2012...[r]
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17.3.07
e o brasil, com o que vai contribuir?
por renato brandão; fotos Agência Brasil
O presidente Lula culpou os "países ricos" pela tragédia que vem sendo anunciada há anos. Em declarações recentes, Lula afirmou que o mundo rico está cansado de assinar protocolo. Em cada conferência mundial, todo mundo assina o documento, mas eles não cumprem, porque não têm coragem de enfrentar as indústrias poluidoras...
Nas negociações para uma segunda etapa do Protocolo de Kyoto, o Brasil, aliás, impediu um consenso em torno de quanto seriam as emissões causadas pelos desmatamentos. Esta forma seria responsável por emissões de 0,5 bilhão a 2,7 bilhões de toneladas por ano (faixa que corresponderia a 7% a 25% das emissões globais). Mas José Domingos Gonzalez Miguez, do Ministério da Ciência e Tecnologia, bateu pé e exigiu que o número ficasse em 1,6 bilhão de toneladas anuais (15% das emissões mundiais)...
Amazônia
Segundo a organização não-governamental Greenpeace, o Brasil é o quarto maior emissor de gás carbônico por essa via [1]. Estudo do Instituto Vita Civilis mostrou que 75% das emissões brasileiras advém dos desmatamentos, especialmente na região amazônica - ainda que o Brasil tenha níveis per capita de emissão de países em desenvolvimento [2]...
O governo brasileiro reluta em reconhecer a nossa indiscutível contribuição com o aquecimento global, especialmente da Floresta Amazônica, que possui uma vegetação muito sensível a aumento da temperatura global - previsto em pelo menos 2C pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Esta elevação poderá levar a perda de cerca de 40% da floresta, que seria substituída por savanas (como são os atuais cerrados brasileiros)...
De 1972 à 2002, 600 mil km2 desmatados da floresta foram devastados, sendo que 1/4 do que foi desmatado se encontra hoje abandonado, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) [3] - área equivalente a Alemanha e Itália juntas...
O Ministério do Meio Ambiente comemorou no ano passado a queda de 30% nas taxas de desmatamento em 2006 em relação a um mesmo período no ano anterior, que também havia apresentado uma queda de 30% em relação a 2004. Estas estimavas foram também feitas pelo Inpe. O problema da última análise é que ela foi realizada com base em somente 34 das 220 imagens necessárias para cobrir toda a Amazônia brasileira...
Isso representou a destruição de 13.100 km² de florestas entre setembro de 2005 e agosto de 2006 - uma superfície maior que a da Jamaica. Algo que não deve ser comemorado, ainda mais porque os recentes desmatamentos ocorreram principalmente pela expansão desenfreada do agronegócio (com a pecuária extensiva ou a agricultura intensiva)...
O desmatamento ilegal precisa ser muito mais combatido pelo Estado. E estas reduções nos últimos dois anos mostram que a destruição da floresta pode ser evitada quando o Estado se faz presente. O próprio governo precisa acabar com algumas contradições no trato com a questão, já que incentiva e investe em atividades destrutivas na região, ao invés de contribuir com o manejo sustentável da floresta...
Claro que não basta "fazermos" a lição de casa. Se as emissões globais continuarem aumentando e não forem freadas, não haverá salvação para grande parcela da Amazônia...
Outras regiões
O IPCC prevê também aumento de extremos no Brasil. O Semi-Árido terá secas mais freqüentes (e diminuirá dramaticamente a disponibilidade dos já minguados recursos hídricos da região), que poderão gerar os "refugiados do clima"...
Já o Sudeste terá chuvas intensas (ainda que não ocorra uma elevação no volume total de precipitação no ano) e potencialmente teremos aumento das enchentes, de doenças como a leishmaniose e a leptospirose, entre outros problemas bem conhecidos das populações das grandes cidades da região...
Sem planos
Mais grave ainda é o país não tem um plano de adaptação para a mudança climática. As políticas brasileiras neste campo "são insuficientes", afirmou o físico Luiz Pinguelli Rosa, professor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe) e Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, para a Folha de S.Paulo...
No mesmo jornal, o pesquisador peruano José Marengo, pesquisador do Inpe alertou que a "mudança climática já está aqui. Não tem mais o que combater. Temos de avaliar a situação e propor medidas para poder reduzir o prejuízo"[4]...
O Brasil usa matrizes energéticas mais "limpas" como as hidrelétricas, mas a termeletricidade tem crescido. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê a importação de carvão mineral (um derivado de combustíveis fósseis!) para as termelétricas atuais e as que serão construídas...
O PAC prevê investimentos em infra-estrutura na região amazônica. É um novo problema para o Brasil: já há bastante desmatamento e queimadas na Amazônia, o PAC não vai trazer mais riscos para a floresta? Ou o governo vai mudar suas políticas públicas, implementando uma política de desenvolvimento em favor da diversidade da região, com investimentos em ciência e tecnologia nas áreas desmatadas e freando a expansão das fronteiras agrícolas? A Alemanha começou a reduzir suas emissões, sem afetar seu crescimento econômico. E o Estado brasileiro, que historicamente tem demonstrado incompetência e falta de vontade política para lidar com a questão do desmatamento amazônico?...
Etanol
O uso do álcool combustível é tido como vantajoso e é usado em larga escala no Brasil de modo que o CO2 emitido é reabsorvido no crescimento da cana. O problema é se o aquecimento global começar a ser usado como uma justificativa para mais desmatamentos no país, seja na Amazônia ou outras regiões do país - como desejam usineiros sedentos pela expansão da cultura de cana de açúcar...
Um dos exemplos nefastos é que o aumento da produção de álcool em Alagoas coincide com o ápice do desmatamento neste Estado. Se já é questionável transformar terras, originamente destinadas ao plantio de alimentos, para a produção de energia, mais grave ainda é que isso seja feito em nome do aquecimento global...
Aliás, é muito estranho que o governo deixe o setor do álcool ser regulado pelos usineiros. Como bem sugeriu o jornalista André Trigueiro, da CBN, o Brasil precisa criar uma Canabras (versão Petrobras para que o setor canavieiro)...
Esforço
De qualquer forma, o Brasil precisa dar passos importantes para um real esforço internacional para a redução dos gases que causam o efeito estufa. O governo brasileira precisa assumir sua responsabilidade como grande emissor do planeta. A começar, combatendo o desmatamento da Amazônia e promovendo políticas públicas que estimulem a redução do consumo de energia, especialmente entre as classes média e alta, as grandes consumidoras do país. E no mais, tem de tomar coragem para assumir um papel de destaque no cenário internacional. Para tanto, terá de aceitar que países emergentes também tenham metas de redução de poluentes...[r]
Leia também: quanto tempo ainda iremos perder?
Notas
[1]Ver notícias nos portais do Greenpeace e 360 graus per capita. 15 de novembro de 2006
[2]Ver notícia Agência Brasil. 1 de junho de 2005.
[3]Ver notícia Inpe. 26 de outubro de 2006
[4]Ver matéria no jornal Folha de S.Paulo Adaptação: A crise climática pega Brasil desprevinido e Infra-estrutura urbana e saúde pública deverão ser repensadas. 03 de fevereiro de 2007.
O presidente Lula culpou os "países ricos" pela tragédia que vem sendo anunciada há anos. Em declarações recentes, Lula afirmou que o mundo rico está cansado de assinar protocolo. Em cada conferência mundial, todo mundo assina o documento, mas eles não cumprem, porque não têm coragem de enfrentar as indústrias poluidoras...
Nas negociações para uma segunda etapa do Protocolo de Kyoto, o Brasil, aliás, impediu um consenso em torno de quanto seriam as emissões causadas pelos desmatamentos. Esta forma seria responsável por emissões de 0,5 bilhão a 2,7 bilhões de toneladas por ano (faixa que corresponderia a 7% a 25% das emissões globais). Mas José Domingos Gonzalez Miguez, do Ministério da Ciência e Tecnologia, bateu pé e exigiu que o número ficasse em 1,6 bilhão de toneladas anuais (15% das emissões mundiais)...
Amazônia
Segundo a organização não-governamental Greenpeace, o Brasil é o quarto maior emissor de gás carbônico por essa via [1]. Estudo do Instituto Vita Civilis mostrou que 75% das emissões brasileiras advém dos desmatamentos, especialmente na região amazônica - ainda que o Brasil tenha níveis per capita de emissão de países em desenvolvimento [2]...
O governo brasileiro reluta em reconhecer a nossa indiscutível contribuição com o aquecimento global, especialmente da Floresta Amazônica, que possui uma vegetação muito sensível a aumento da temperatura global - previsto em pelo menos 2C pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Esta elevação poderá levar a perda de cerca de 40% da floresta, que seria substituída por savanas (como são os atuais cerrados brasileiros)...
De 1972 à 2002, 600 mil km2 desmatados da floresta foram devastados, sendo que 1/4 do que foi desmatado se encontra hoje abandonado, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) [3] - área equivalente a Alemanha e Itália juntas...
O Ministério do Meio Ambiente comemorou no ano passado a queda de 30% nas taxas de desmatamento em 2006 em relação a um mesmo período no ano anterior, que também havia apresentado uma queda de 30% em relação a 2004. Estas estimavas foram também feitas pelo Inpe. O problema da última análise é que ela foi realizada com base em somente 34 das 220 imagens necessárias para cobrir toda a Amazônia brasileira...
Isso representou a destruição de 13.100 km² de florestas entre setembro de 2005 e agosto de 2006 - uma superfície maior que a da Jamaica. Algo que não deve ser comemorado, ainda mais porque os recentes desmatamentos ocorreram principalmente pela expansão desenfreada do agronegócio (com a pecuária extensiva ou a agricultura intensiva)...
O desmatamento ilegal precisa ser muito mais combatido pelo Estado. E estas reduções nos últimos dois anos mostram que a destruição da floresta pode ser evitada quando o Estado se faz presente. O próprio governo precisa acabar com algumas contradições no trato com a questão, já que incentiva e investe em atividades destrutivas na região, ao invés de contribuir com o manejo sustentável da floresta...
Claro que não basta "fazermos" a lição de casa. Se as emissões globais continuarem aumentando e não forem freadas, não haverá salvação para grande parcela da Amazônia...
Outras regiões
O IPCC prevê também aumento de extremos no Brasil. O Semi-Árido terá secas mais freqüentes (e diminuirá dramaticamente a disponibilidade dos já minguados recursos hídricos da região), que poderão gerar os "refugiados do clima"...
Já o Sudeste terá chuvas intensas (ainda que não ocorra uma elevação no volume total de precipitação no ano) e potencialmente teremos aumento das enchentes, de doenças como a leishmaniose e a leptospirose, entre outros problemas bem conhecidos das populações das grandes cidades da região...
Sem planos
Mais grave ainda é o país não tem um plano de adaptação para a mudança climática. As políticas brasileiras neste campo "são insuficientes", afirmou o físico Luiz Pinguelli Rosa, professor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe) e Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, para a Folha de S.Paulo...
No mesmo jornal, o pesquisador peruano José Marengo, pesquisador do Inpe alertou que a "mudança climática já está aqui. Não tem mais o que combater. Temos de avaliar a situação e propor medidas para poder reduzir o prejuízo"[4]...
O Brasil usa matrizes energéticas mais "limpas" como as hidrelétricas, mas a termeletricidade tem crescido. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê a importação de carvão mineral (um derivado de combustíveis fósseis!) para as termelétricas atuais e as que serão construídas...
O PAC prevê investimentos em infra-estrutura na região amazônica. É um novo problema para o Brasil: já há bastante desmatamento e queimadas na Amazônia, o PAC não vai trazer mais riscos para a floresta? Ou o governo vai mudar suas políticas públicas, implementando uma política de desenvolvimento em favor da diversidade da região, com investimentos em ciência e tecnologia nas áreas desmatadas e freando a expansão das fronteiras agrícolas? A Alemanha começou a reduzir suas emissões, sem afetar seu crescimento econômico. E o Estado brasileiro, que historicamente tem demonstrado incompetência e falta de vontade política para lidar com a questão do desmatamento amazônico?...
Etanol
O uso do álcool combustível é tido como vantajoso e é usado em larga escala no Brasil de modo que o CO2 emitido é reabsorvido no crescimento da cana. O problema é se o aquecimento global começar a ser usado como uma justificativa para mais desmatamentos no país, seja na Amazônia ou outras regiões do país - como desejam usineiros sedentos pela expansão da cultura de cana de açúcar...
Um dos exemplos nefastos é que o aumento da produção de álcool em Alagoas coincide com o ápice do desmatamento neste Estado. Se já é questionável transformar terras, originamente destinadas ao plantio de alimentos, para a produção de energia, mais grave ainda é que isso seja feito em nome do aquecimento global...
Aliás, é muito estranho que o governo deixe o setor do álcool ser regulado pelos usineiros. Como bem sugeriu o jornalista André Trigueiro, da CBN, o Brasil precisa criar uma Canabras (versão Petrobras para que o setor canavieiro)...
Esforço
De qualquer forma, o Brasil precisa dar passos importantes para um real esforço internacional para a redução dos gases que causam o efeito estufa. O governo brasileira precisa assumir sua responsabilidade como grande emissor do planeta. A começar, combatendo o desmatamento da Amazônia e promovendo políticas públicas que estimulem a redução do consumo de energia, especialmente entre as classes média e alta, as grandes consumidoras do país. E no mais, tem de tomar coragem para assumir um papel de destaque no cenário internacional. Para tanto, terá de aceitar que países emergentes também tenham metas de redução de poluentes...[r]
Leia também: quanto tempo ainda iremos perder?
Notas
[1]Ver notícias nos portais do Greenpeace e 360 graus per capita. 15 de novembro de 2006
[2]Ver notícia Agência Brasil. 1 de junho de 2005.
[3]Ver notícia Inpe. 26 de outubro de 2006
[4]Ver matéria no jornal Folha de S.Paulo Adaptação: A crise climática pega Brasil desprevinido e Infra-estrutura urbana e saúde pública deverão ser repensadas. 03 de fevereiro de 2007.
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